Em se tratando de contratações públicas, a celeuma sobre o conceito de preço de mercado nunca foi de simples assimilação, tampouco são facilmente identificáveis outros conceitos relativamente vagos e imprecisos, como a inexequibilidade. A Lei nº 14.133/2021 planeja, em vários de seus artigos, dispor sobre o problema relacionado ao preço. Todavia, alinha uma outra matéria igualmente incerta, a vantajosidade, polemizando o grau de discricionariedade que, normativamente, é conferido ao administrador público.
Fundamentalmente, deve-se atentar para o fato de que o legislador adjudicou à vantajosidade a mesmíssima importância destinada ao tema “preço” — nas suas mais variadas vertentes —, motivo pelo qual, já no artigo 11, todos estes assuntos são alçados como objetivos do processo licitatório:
“Artigo 11 — O processo licitatório tem por objetivos:
I — assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II — assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
III — evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV — incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações”.
Para o presente trabalho, é importante avaliar a aparente discrepância existente entre o menor preço e a vantajosidade. Nesse sentido, trataremos, primeiramente, da temática relacionada ao preço da contratação, que envolve, em suma, três conceitos: sobrepreço, superfaturamento e inexequibilidade. Cumpre destacar desde logo que, diferentemente da Lei nº 8.666/1993, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, seguindo a mesma tônica da Lei de Estatais, procedeu à diferenciação entre sobrepreço e superfaturamento.
O sobrepreço está relacionado à fase interna do certame, assim definido no inciso LVI do artigo 6º da lei como “preço orçado para licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, empreitada por preço global ou empreitada integral, semi-integrada ou integrada”.
O legislador parte do falso pressuposto de que existe um infalível preço de mercado e que qualquer preço que se sobreponha ao dito “preço de mercado” é considerado sobrepreço. Ocorre que sempre houve uma larga complexidade quanto à definição do conceito de preço referencial de mercado, sobretudo em tempos de inflação galopante, porvindoura a uma pandemia sem precedentes [1].
O Tribunal de Contas da União criou, anteriormente à promulgação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, uma metódica própria para se atingir o preço de mercado, que sobrevém, grosso modo, por meio da confecção do preço médio atingido em decorrência de, no mínimo, três orçamentos. É um critério que não funciona com contundente exatidão, pois, não raras vezes, passa ao largo do verdadeiro preço de mercado, até mesmo porque quem fornece os orçamentos não está impedido de participar do certame.
Levando em consideração todos esses aspectos, a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia editou a Instrução Normativa nº 65, de 7 de julho deste ano, que “dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”. A mencionada IN nº 65/2021 auxilia na formação do preço de mercado, mas não resolve, por completo, a problemática envolta à pesquisa de preços.
Seguindo o mesmo compasso, o legislador também se debruçou sobre a significação de superfaturamento, relacionado à fase de execução do contrato e, invariavelmente, mais pertinente às obras e serviços de engenharia. A acepção de superfaturamento é mais palpável, porém, ainda imprecisa, e, face a essa imprecisão, possui efeitos muito mais deletérios, à medida que pode subsumir-se a uma conduta tipificada como crime (artigo 337-L, do Código Penal Brasileiro).
É também objetivo do processo licitatório evitar o superfaturamento, assim entendido como um “dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por: a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; b) deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança; c) alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços” (literalidade do inciso LVII do artigo 6º da Lei nº 14.133/2021).
Assim como o sobrepreço e o superfaturamento, a inexequibilidade igualmente necessita ser atalhada (artigo 11, III, da Lei nº 14.133/2021). A descrição de inexequibilidade, que é numérica, aparece apenas para obras e serviços de engenharia, considerando-se “inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% dos valores orçados pela Administração” (§4º do artigo 59).
Percebe-se, pois, que a inexequibilidade é aferida com base no valor orçado, que, por sua vez, deve retratar um preço de mercado. Ocorre que, pelo que já demonstrado, o orçamento atingido pela Administração nem sempre revela o preço de mercado, razão pela qual a inexequibilidade pode ser constatada a despeito de o preço não ser manifestamente inexequível. Isso porque, se houver sobrepreço, a proposta apresentada, supostamente inexequível, é, faticamente, passível de execução.
Todavia, os problemas licitatórios não se limitam ao preço, porquanto o legislador não se contentou com os conturbados detalhes jurídicos relacionados a essa temática, criando, paralelamente ao objetivo critério numérico, o conceito (jurídico indeterminado) de vantajosidade, que não necessariamente se reduz à precificação do objeto licitado. Mais uma particularidade a ser devidamente solucionada.
É que também consta como objetivo do processo licitatório “assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto”, bem assim “incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável”.
Logo, nem sempre o preço é o ponto central para resolver uma licitação, devendo constar, desde o planejamento, qual importância será conferida a outros critérios que perpassam o custo do contrato a ser firmado com o particular. Essa é, sem dúvidas, uma tarefa hercúlea para a Administração, que deverá fundamentar, desde o estudo técnico preliminar, por que levará em consideração algum outro critério que não necessariamente o valor monetário. Exemplificativamente, é dever do órgão ou entidade licitante justificar, motivadamente, por qual razão optará por um preço mais elevado na contratação em se tratando de um objeto com maior ciclo de vida.
Inegável o direcionamento normativo quanto às políticas públicas de ESG (enviromental, social and governance) na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Mesmo que o preço ainda continue sendo um fator preponderante para as contratações, já não mais possui a mesma proeminência contida na Lei nº 8.666/1993, importando outros fatores, que devem ser satisfatoriamente atendidos, notadamente os que envolvem políticas de contratações sustentáveis, cuja vantajosidade para a Administração é desejável.
As boas práticas de ESG, muito comuns na seara privada, concretizam-se, quanto às contratações públicas, como um caminho sem retrocessos, sendo interessante não somente para os licitantes, que apresentarão melhores resultados ao longo dos tempos, como também para a Administração Pública, que tem, por expressa manifestação normativa, a possibilidade de eleger o melhor contratado, contribuindo para a consolidação do princípio do desenvolvimento nacional sustentável, tão caro e importante na atualidade.
À guisa de derradeiras considerações, é amplamente discricionário à Administração optar ou não pelo menor custo da contratação. Todavia, leitor, nunca é demasiado alertar: a régua do controle externo costuma discrepar do intento do gestor; logo, justificar a escolha galvaniza a solução obtida.
Fonte: Conjur