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domingo, 28/04/2024

DIFERENÇAS ENTRE PREÇO MÁXIMO E ESTIMADO NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

No âmbito das licitações e contratações públicas, há clara diferença entre “preços estimados” e “preços máximos” aceitáveis, o que precisa ser bem compreendido tanto por quem atua na Administração quanto pelos particulares licitantes que têm interesse em contratar com o Poder Público.

O preço estimado é aquele orçado pela Administração Pública na fase interna da licitação. Serve como parâmetro orçamentário e é essencial para análise da aceitabilidade das propostas. Por outro lado, o preço máximo aceitável é de estipulação facultativa no edital (artigo 40, X, da Lei nº 8.666/93 e artigo 82, §1º, da Lei nº 14.133/21), podendo ou não ser o mesmo que o valor estimado na fase interna.

O estabelecimento de um preço de referência ou estimado é importante para que exista um parâmetro para o julgamento das propostas e para o estabelecimento do orçamento a ser utilizado no eventual contrato. Contudo, o preço de referência não precisa ser idêntico ao preço máximo. Em outras palavras, a estipulação de um preço máximo permite que haja uma margem que poderá ser necessária no caso concreto para que a licitação não seja fracassada.

A Administração se utiliza de parâmetros para formação do preço de referência, como orçamentos apresentados por empresas privadas, contratos públicos celebrados com o mesmo objeto, bancos públicos de preços e, com o advento da nova lei de licitações e contratos, o Portal Nacional das Contratações Públicas funcionará como importante ferramenta para a formação desses preços.

Mesmo assim, é possível — e não é tão incomum — que esse preço de referência seja afetado por peculiaridades específicas e concretas relativas ao objeto que se pretende contratar. Isso pode acontecer, por exemplo, em razão de oscilações e variações intrínsecas do ambiente econômico e financeiro (flutuação do mercado), por especificidades do local da contratação ou da forma de sua execução. A diferença prática entre o fornecimento de determinado serviço para o Estado de Sergipe e para o Estado do Pará, face às gritantes diferenças territoriais, pode resultar numa diferença de preços também marcante, o que somente pode ser verificado no momento da licitação.

A jurisprudência do TCU é pacífica no sentido de que o valor orçado não se confunde com o preço máximo, exceto quando o próprio edital estabeleça regra nesse sentido:

“Nas licitações regidas pela Lei 8.666/1993, o valor orçado não se confunde com o preço máximo, a menos que o instrumento convocatório estabeleça tal condição. Não sendo ela estabelecida, a contratação por preço superior ao orçado deve ser justificada”. (TCU. Acórdão 1549/2017 — Plenário).

O “valor de referência” ou simplesmente “valor estimado” não se confunde com “preço máximo”. O valor orçado, a depender de previsão editalícia, pode eventualmente ser definido como o preço máximo a ser praticado em determinada licitação, mas não necessariamente. (TCU. Acórdão 6452/2014 — Plenário).

Para o caso de pregão que estabeleça como critério de julgamento o maior desconto, o TCU também já afirmou que a estipulação de desconto mínimo equivale à estipulação de preço máximo, aplicando-se a mesma regra de maneira inversa, já que o menor desconto possível resultará no maior preço:

O edital pode estabelecer, como critério de julgamento, percentual mínimo de desconto em itens licitados, o que significa, por via indireta, a fixação de preço máximo, que é permitida pelo artigo 40, inciso X, da Lei 8.666/1993. (TCU. Acórdão 1633/2020 — Plenário).

Existem regulamentos estaduais da modalidade licitatória pregão que estabelecem a obrigatoriedade de adjudicação quando o preço obtido estiver abaixo do preço de referência apurado na fase interna da licitação. Possivelmente a intenção é evitar alegações de superfaturamento.

Nesses casos, à primeira vista, pode parecer que o preço máximo sempre seria o preço de referência. No entanto, essa interpretação gera uma incongruência em relação à faculdade de fixação de preços máximos prevista na legislação federal. Caso a adjudicação só possa ocorrer quando o preço estiver abaixo do preço de referência, este corresponderá sempre ao preço máximo da licitação. Assim, viola-se a jurisprudência consolidada do TCU e a própria lógica da permissão à estipulação de preços máximos nas licitações.

No âmbito federal, a redação dada ao artigo 39 do Decreto nº 10.024/2019 afirma que, encerrada a etapa de negociação, o pregoeiro examinará a melhor proposta quanto à adequação ao objeto e à compatibilidade do preço em relação ao máximo estipulado para contratação no edital. Dessa forma, o preço obtido não precisará estar necessariamente abaixo do preço de referência.

Nesse contexto, a regulamentação federal foi tecnicamente adequada e não gerou o contraditório impedimento à fixação de preços máximos diversos dos preços estimados, algo já admitido pela jurisprudência do TCU. Com isso, os decretos estaduais, caso interpretados da forma exposta acima, estarão em desacordo com a regulamentação federal e poderão resultar em licitações fracassadas.

Dessa forma, a melhor interpretação a ser dada para o regulamento de ente federativo que fixe a obrigatoriedade de adjudicação por valor abaixo do preço de referência é no sentido de que o pregoeiro adjudicará o objeto licitado se o preço estiver abaixo do preço de referência quando este for estabelecido como preço máximo pelo edital. Com isso, a regulamentação estará de acordo com a legislação e com a interpretação dada pelas Cortes de Contas.

Compreendidas as diferenças entre preço de referência e preço máximo, tem-se que é viável a fixação de preço máximo distinto do valor de referência, o que permite a análise, mediante justificativa robusta e comparação com critérios objetivos para definição do melhor preço, da compatibilidade com o mercado e da possibilidade de aceitação de eventual preço superior ao valor estimado, mas ainda dentro do limite estipulado como valor máximo. Trata-se de medida que prestigia a busca pela melhor contratação para o Poder Público sem excessos positivistas e com atenção às circunstâncias práticas de cada caso concreto.


Caio Felipe Caminha de Albuquerque é mestre em Direito, procurador do estado de Mato Grosso e advogado.


Leonardo Vieira de Souza é mestre em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa, procurador do Estado de Mato Grosso, advogado, autor e coordenador de obras jurídicas.

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