Para a 3ª Turma, o desentendimento no trânsito que resultou na morte não pode ser equiparado a caso fortuito de caráter imprevisível.
20/12/21 – A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a responsabilidade civil da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. pela morte de um motorista do aplicativo após discussão no trânsito. Para o colegiado, o fato não poderia ser equiparado a caso fortuito externo de caráter imprevisível, em razão do risco da atividade. Com isso, o processo retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), para o julgamento dos pedidos de indenizações por danos morais e materiais dos herdeiros do motorista.
Tiros
Na reclamação trabalhista, a viúva e o filho menor do trabalhador disseram que ele trabalhava única e exclusivamente como motorista da Uber, tirando da atividade o seu sustento. Em setembro de 2018, o motorista foi morto a tiros durante o serviço.
Segundo as autoridades de segurança, ele foi alvejado e morto após se desentender com um motoqueiro, no bairro de Jacarecanga, em Fortaleza (CE). De acordo com informações colhidas por jornalistas na hora da ocorrência, o aplicativo Uber Motorista estava ligado.
A Uber, em sua defesa, sustentou a incompetência da Justiça do Trabalho para a análise do pedido, sob os argumentos de que sua atividade é apenas a de intermediação digital e de que sua relação com os motoristas não é de trabalho, mas comercial de natureza civil.
Culpa de terceiro
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização, e o TRT da 7ª Região manteve a sentença. Embora reconhecendo que a relação entre o motorista e o aplicativo é de trabalho, o TRT entendeu que a morte ocorrera por culpa exclusiva de terceiro, o que afastaria o nexo de causalidade entre o fato e as atividades e, consequentemente, a responsabilidade da Uber.
Essa decisão foi objeto de recursos interpostos pelos herdeiros e pela empresa, que insistiu na incompetência da Justiça do Trabalho.
Relação de trabalho
O relator do recurso de revista, ministro Agra Belmonte, explicou que a competência da Justiça do Trabalho é definida pelo pedido e causa de pedir a partir da natureza da relação mantida pelas partes. No caso, o pedido de indenização decorre da relação de trabalho , na condição de autônomo, estabelecida entre o motorista e a Uber, na prestação do serviço. Dessa forma, não se pode afastar a competência da Justiça do Trabalho.
Em seu voto, o ministro observou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que é da Justiça Comum a competência para o exame de controvérsias entre motoristas e a Uber. No entanto, essa competência se refere aos pedidos de danos morais decorrentes do desligamento e da reativação de contas, e não da execução de serviços prestados com pessoalidade.
Transportadora
Em relação à responsabilidade da empresa, o ministro assinalou que a Uber não tem frota e se utiliza de motoristas com veículos próprios para o transporte de pessoas por intermédio de aplicativo. Por isso, sua atividade deve ser caracterizada como transportadora, e sua relação com o motorista como de prestador de serviços.
Partindo dessa premissa, Agra Belmonte assinalou que o artigo 927 do Código Civil que trata de responsabilidade objetiva (sem culpa) fundada na teoria do risco, atribui a obrigação de indenizar a quem exerce alguma atividade que cria risco ou perigo de dano a terceiro.
Por sua vez, o artigo 735 do Código Civil afasta a responsabilidade do transportador apenas nos casos em que o acidente decorrer de fato de terceiro, inevitável e imprevisível, sem relação com o transporte, por se equiparar ao caso fortuito externo (situações causadas por eventos extraordinários, como raios, enchentes, balas perdidas e apedrejamentos).
Violência
Contudo, na avaliação do relator, o desentendimento no trânsito que resultou na morte do motorista tem relação direta com a atividade perigosa e estressante de transporte em grandes cidades caracterizadas pela violência. “O risco, em se tratando de transporte de passageiros por táxis e veículos de aplicativos, diz respeito não apenas à condução dos passageiros, mas também abrange a sujeição do motorista a acidentes por furos de pneus, mal súbito, sequestros, assaltos e agressões, risco esse criado pela própria atividade”, assinalou.
“Nas grandes cidades onde a violência é frequente, o evento ocorrido não é imprevisível em relação à atividade”, afirmou. “O risco de se levar um tiro, como ocorreu na presente situação, ou de ser agredido fisicamente com um bastão de beisebol, em uma discussão, está igualmente contido no estresse do trânsito, deixando de serem fatos estranhos a quem atua diuturnamente na atividade, não afastando, assim, a responsabilidade objetiva do transportador tanto pelas pessoas por ele transportadas como pelo profissional que, como empregado ou preposto, atua fisicamente no transporte”, concluiu.
Processo: RRAg-849-82.2019.5.07.0002
Fonte: TST