Primeiras impressões
Em 12/01/2023, o ministro da fazenda, Fernando Haddad, apresentou o plano de gestão denominado de “MEDIDAS DE RECUPERAÇÃO FISCAL”, propositura que merece alguns apontamentos.
Prima facie, cumpre manifestar que após a redemocratização do Brasil, os gestores que sucederam os governos de situação buscaram criar a imagem de mudança e, por óbvio, com atos que demonstrassem a diferença entre o governo/modelo de gestão. A título de registro, poucos foram os planos fiscais que demonstraram na prática a diferença entre um modelo de gestão para com o outro. O presente artigo tem por objetivo apontar as primeiras impressões das medidas apresentadas pelo ministro da fazenda, não tendo a pretensão de esgotar o tema.
O plano sugere a criação de um ambiente saudável entre os contribuintes e o governo federal propondo o programa “Litígio Zero”, onde as pessoas físicas e jurídicas podem parcelar seus débitos fiscais com descontos sobre multas e juros dos valores devidos ao fisco. A proposta incentiva o contribuinte a regularizar seu “passivo fiscal” e potencializa a entrada de receita nos cofres públicos para cumprimento das metas e propostas de governo.
Por outro norte, analisando outras medidas do plano fiscal, identificou-se um tema sensível que converge em retrocesso processual (processo administrativo tributário) que desfavorece o contribuinte, qual seja: o retorno do VOTO DE QUALIDADE nos julgamentos do CARF-Conselho de Administração de Recursos Fiscais (órgão julgador de recursos contra cobrança de tributos, formado por membros do fisco e da sociedade) previsto no decreto 70.235/1972, anteriormente revogado pela lei 13.988/2020 que modificou a lei 10.522/2002.
Antes de promover o debate sobre o VOTO DE QUALIDADE, convém registrar que o CARF foi instituído, em resumida síntese, com a mesma finalidade dos Conselhos de Contribuintes, ou seja, a de se constituir um órgão julgador formado por julgadores representantes do fisco e da sociedade, tornando-se assim o julgamento paritário, democrático, com visões da sociedade/contribuinte bem como do ente arrecadador. No que se refere ao VOTO DE QUALIDADE, conforme descrito acima, ele é usado em caso de empate nos julgamentos do CARF, sendo este decisivo para desempatar o julgamento do recurso. Ocorre que, o §9º do art. 25 do decreto 70.235/1972 prevê que o mencionado voto só pode ser realizado pela presidência da câmara julgadora e esta, por sua vez, só pode ser ocupada por representantes do fisco, ou seja, na prática, a interpretação do fisco prevalecerá.
Destarte ao dispositivo alhures mencionado, a lei 13.988/2020, após intensos debates, excluiu o VOTO DE QUALIDADE dos julgamentos do CARF, o que na realidade fática remonta no atendimento do conteúdo previsto no art. 112 do Código Tributário Nacional, o qual impõe que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, ou seja, mormente em favor do contribuinte (in dubio pro contribuinte). Em TESE, ocorrendo empate nos julgamentos, o contribuinte sairia vencedor do recurso, o que agora deixou de ser regra nos termos na Medida Provisória nº 1.160/2023 (base legal das medidas fiscais) editada para sustentar as medidas de recuperação fiscal proposta pelo ministro da fazenda.
Analisando atentamente a fala/pauta do Ministro da Fazenda, identificou-se que a principal intenção do gestor neste momento é tão somente assegurar a arrecadação de tributos e não garantir o devido processo legal, ampla defesa e contraditório e consequentemente as garantias constitucionais, fato este que nos força a concluir que a medida em discussão representou enorme retrocesso processual e consequentemente, uma grande insegurança jurídica aos contribuintes face a limitação do exercício do direito garantido pela constituição federal.
Em razão do confronto entre as “MEDIDAS DE RECUPERAÇÃO FISCAL” e o ordenamento jurídico, imperioso se torna afirmar que os debates sobre o tema estão somente no começo e que o poder judiciário deverá ser provocado para manifestar sobre os temas aqui abordados e garantir a segurança jurídica aos contribuintes.
PEDRO PAULO PEIXOTO DA SILVA JUNIOR
Advogado, Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito, Doutorando em Ciências Sociais e Jurídicas pela UMSA, Professor Universitário e de Cursos preparatórios da Disciplina de Direito Tributário, Presidente do IAMAT – Instituto dos Advogados de Mato Grosso