É possível criar restrições ao exercício profissional, desde que por meio de lei. Conforme a Constituição, na ausência de lei complementar sobre eventual delegação aos estados, a União tem competência exclusiva para tratar de qualificações profissionais que podem ser exigidas em relação a determinados trabalhos ou profissões.
Assim, a juíza Adverci Rates Mendes de Abreu, da 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, concedeu liminar para garantir aos profissionais representados pela Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) o direito de divulgar suas capacitações — desde que chanceladas pelo Ministério da Educação (MEC) — sem incluir a expressão “não especialista” em caixa alta.
A decisão ainda proíbe o Conselho Federal de Medicina (CFM) de tomar qualquer providência administrativa, como abertura de sindicâncias ou instauração de processos ético-profissionais, para punir os médicos representados pela Abramepo devido a divulgações do tipo.
Contexto
A inclusão da expressão “não especialista”, em maíusculas, na divulgação das pós-graduações dos médicos foi criada por uma resolução do CFM de 2023, cujas regras entraram em vigor no último mês de março. A liminar suspende o dispositivo da norma que exigia tal medida.
Um trecho da resolução obrigava os médicos a incluírem tal adendo na divulgação caso não tivessem o registro de qualificação de especialização (RQE), documento que é obtido a partir da conclusão de residências médicas reconhecidas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) ou da aprovação em provas de título de especialista aplicadas pelo respectivo CRM e feitas por sociedades médicas particulares afiliadas à Associação Médica Brasileira (AMB).
Caso informassem suas especialidades aos pacientes sem a inclusão da expressão “não especialista” em maiúsculas, os médicos corriam risco de enfrentar sanções do CFM — desde advertências até cassação do registro profissional.
A Abramepo acionou a Justiça e contou que diversos médicos qualificados foram descredenciados, com cerceamento da sua atuação profissional, devido à resolução do CFM. Segundo a autora, mais de 240 mil médicos não têm RQE.
De acordo com a associação, a norma é vexatória e viola princípios constitucionais fundamentais, como o livre exercício profissional e a dignidade da pessoa humana.
A entidade ainda afirmou que os próprios pacientes eram prejudicados pela regra, pois não eram informados da existência de muitos especialistas com atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). Para a autora, a exigência privilegia um pequeno grupo de médicos.
Fundamentação
A juíza Adverci Abreu lembrou que a Constituição estabelece, de modo geral, a liberdade de exercício de qualquer trabalho e admite a criação de restrições por meio de lei. Ela ressaltou que não existe margem para escolha de um critério de diferenciação entre os trabalhadores. Ou seja, todos são iguais perante a lei.
A magistrada explicou que a função de estabelecer critérios para a validade dos cursos de pós-graduação lato sensu é do MEC, e não do CFM. O ministério avalia o cumprimento das grades curriculares mínimas, com o objetivo de examinar a capacidade técnica de quem pretende exercer a profissão.
“Ao exercer o seu poder de polícia, o CFM não pode inovar para fins de criar exigências ao arrepio da lei”, assinalou. Para ela, o conselho impôs uma “obrigação discriminatória vexatória” entre profissionais formados por instituições reconhecidas pelo MEC e não vinculados à AMB.
De acordo com Abreu, não existe “amparo no ordenamento jurídico” para restringir os mécidos de “dar publicidade às titulações de pós-graduação lato sensu” por meio de resolução.
Na sua visão, o CFM feriu “o princípio constitucional da legalidade, como também o das liberdades individuais” e ultrapassou “os limites de seu direito regulamentar”.
Isso porque o médico tem a “ampla liberdade” de anunciar que cursou de forma legal a pós-graduação, “segundo o conteúdo, a abrangência, a forma e os limites do próprio título emitido oficialmente pelo MEC”, sem sofrer quaisquer punições ou atos discriminatórios.
Abusos do CFM
O advogado da Abramepo, Bruno Reis Figueiredo, reforça que a norma do CFM criou um cenário degradante para os médicos, prejudicou sua reputação profissional e induziu pacientes ao erro.
“A resolução, flagrantemente inconstitucional, sugere que a formação adicional dos médicos, mesmo sendo reconhecida pelo MEC, não tem valor”, diz. “A decisão da Justiça Federal é uma vitória gigantesca para todos os associados da Abramepo que são discriminados”.
O presidente da Abramepo, Eduardo Costa Teixeira, ressalta que, “em todas as outras profissões, um profissional que faz pós-graduação validada pelo MEC é reconhecido como especialista e pode dar publicidade a esse título”. Segundo ele, na Medicina, há casos de “professores de cursos de especialização impedidos de se anunciarem como especialistas”.
No último mês de fevereiro, a mesma 20ª Vara Federal Cível do DF concedeu outra liminar para garantir aos associados da Abramepo o direito de divulgar e anunciar suas titulações de pós-graduação lato sensu reconhecidas pelo MEC.
Essa outra ação foi ajuizada contra resoluções do CFM que restringiam a divulgação dos títulos de pós-graduação lato sensu. O conselho permitia o anúncio dessas titulações apenas nos casos de residências médicas ou aprovações em provas de título de especialista feitas por sociedades médicas particulares afiliadas à AMB.
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Processo 1015489-40.2024.4.01.3400
Fonte: Conjur.