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quinta-feira, 14/11/2024

Crise no Poder Judiciário levou à criação do Superior Tribunal de Justiça

Pádua Ribeiro: em menos de 20 meses, a comissão partiu do zero para chegar ao desenho do Judiciário na
nova Constituição, incluindo a criação do STJ. Foto: Rafael Luz / STJ
Em meados de 1987, um ano e meio antes da promulgação da Constituição, juristas de todo o país já vinham trabalhando no novo desenho institucional do Poder Judiciário, e uma das reformas mais importantes tinha no centro o Tribunal Federal de Recursos (TFR), corte de segunda instância da Justiça Federal.
“Em tal contexto, não se pode deixar de salientar que o Tribunal Federal de Recursos, em sua substância, não se extinguiu. Desdobrou-se em vários Tribunais Regionais Federais, cedendo seus ministros para a composição inicial do STJ. Em outras palavras, não morreu, e sim transformou-se.”
As palavras do ministro Pádua Ribeiro, presidente da comissão criada pelo TFR para apresentar sugestões à Assembleia Constituinte, explicam que, ao contrário do que muitos pensam, o TFR não foi extinto para a criação do STJ, tampouco o STJ é sucessor do TFR.
Segundo Pádua Ribeiro, hoje aposentado, a criação do STJ ocorreu em virtude da sobrecarga de processos do Supremo Tribunal Federal (STF), que atravancava a corte e gerava uma crise em todo o Judiciário.
“O STJ resulta de um desmembramento do STF. Falam erroneamente que o STJ seria um tribunal que sucedeu o TFR, mas isso não é verdade porque as atribuições são distintas. O TFR foi dividido em vários tribunais de apelação, os TRFs.”
De acordo com o magistrado, o próprio TFR já havia sido o resultado de um esforço para aliviar o STF do excesso de processos em 1948, e anos após a sua criação a mesma sobrecarga foi constatada novamente, surgindo a necessidade de novo desenho institucional do Judiciário, que seria materializado na Constituição de 1988.
Propostas diversas
A ideia de criar mais um tribunal superior não era nova quando o Brasil se organizou para escrever a Constituição de 1988. Estudos do jurista Miguel Reale em meados da década de 1960 já apontavam o congestionamento do STF e a necessidade de criar um tribunal para as questões infraconstitucionais.
Na década de 1980, a Comissão Afonso Arinos fez um importante trabalho que resultou em uma proposta de reestruturação da Justiça. Em 1987, o TFR criou uma comissão para propor as alterações necessárias quanto à organização do Poder Judiciário (Ato 1.126, de 31 de agosto de 1988, com efeitos retroativos a 4 de junho de 1987).
Pádua Ribeiro, na época ministro do TFR, presidiu a comissão e, posteriormente aos trabalhos da Constituinte, integrou a primeira composição do STJ, tribunal onde atuou até a sua aposentadoria, em 2007. Ele foi presidente da corte no biênio 1999-2000, período no qual o STJ comemorou dez anos de sua instalação.
O trabalho da comissão não foi simples: Pádua Ribeiro relata discussões em fins de semana, noites adentro, e até durante as férias. “Começou-se do nada para, em menos de 20 meses, chegar à formatação da estrutura de hoje, incluindo a criação do STJ”, conta o ministro.
Enfoque institucional
A comissão criada pelo TFR foi bem recebida na Constituinte devido ao caráter técnico dos estudos. Pádua Ribeiro lembra ter dito aos seus pares que a comissão não iria tratar de matérias de interesse particular dos juízes, já que tais demandas seriam delegadas aos órgãos de classe da magistratura.
“Tratamos de matéria institucional, de interesse geral do país. Atuamos nessa linha, com base na técnica jurídica, com o cuidado de não cuidar de assuntos pessoais. Todas as emendas que apresentamos eram vistas com muito respeito pelos constituintes, independentemente do partido”, relata o ministro.
Dentre os deputados constituintes, Pádua Ribeiro destaca três cujo empenho foi fundamental para a criação do STJ: Bernardo Cabral, relator-geral; Oscar Dias Corrêa Júnior, presidente da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo; e Egídio Ferreira Lima, relator dessa comissão.
“O Bernardo Cabral, inclusive, fez um esforço para sempre nos receber. O Brasil todo ia atrás dele porque ele era o relator-geral. Fizemos reunião com ele até mesmo no Seminário São Bento, perto do Lago Paranoá, em Brasília”, lembra Pádua Ribeiro.
O relator da constituinte foi importante para resolver um impasse que poderia ter adiado indefinidamente a instalação do STJ – história que, segundo Pádua Ribeiro, poucos conhecem.
Hora do impasse
Segundo o ministro, a definição das cidades-sede para os cinco TRFs foi um assunto que gerou conflitos entre os membros da Constituinte já na etapa final das discussões sobre o texto a ser aprovado, chegando ao ponto de colocar em risco a instalação do STJ.
“Para superar o problema, o deputado Bernardo Cabral propôs delegar a escolha das sedes para uma lei complementar. Quando vimos aquilo, pensamos: ora, estão sendo criados os TRFs para serem instalados em seis meses; se depender da LC, será que não vai voltar a discussão no tocante à escolha da sede? Se não criarem os TRFs, não instala o STJ. Que problema sério!”
A solução acabou sendo uma emenda proposta pelo próprio ministro e encampada por Cabral: a definição das sedes dos TRFs ficaria a cargo do TFR, que faria a escolha de acordo com o número de processos a serem distribuídos. A emenda é o parágrafo 6º do artigo 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Foi o que ocorreu. Segundo Pádua Ribeiro, as sedes foram bem aceitas e, graças ao trabalho da comissão junto ao relator, tudo foi resolvido a tempo.
“Foi um problema na parte final da Constituinte que precisou de atuação rápida. Se não fosse resolvido, não sei quando teria sido instalado o STJ. Por certo que no dia 7 de abril de 1989 não seria.”
Missão cumprida
O ministro aposentado recorda que uma das preocupações da nova corte foi promover a divulgação de suas decisões de forma que atingisse o cidadão comum, não especializado em direito, já que os casos julgados costumam afetar de forma direta o cotidiano das pessoas – e isso exigia uma linguagem simplificada, acessível.
E conta que foram feitas reuniões com jornalistas – entre eles Carlos Chagas e Boris Casoy – em busca de um formato de comunicação que traduzisse o “juridiquês” e facilitasse a compreensão do público.
O tribunal foi pioneiro em várias estratégias de divulgação das suas decisões. Em 2000, segundo a revista Exame, o site institucional do STJ era o sexto em quantidade de acessos no Brasil.
Ao avaliar a atuação do STJ, em comparação com o que foi pensado no momento de sua criação, Pádua Ribeiro afirma que o tribunal cumpriu de maneira brilhante as atribuições previstas na Carta de 1988.
“É um tribunal que ficou com um alto conceito perante os brasileiros, tanto é que passou a ser chamado de Tribunal da Cidadania. Isso é muito relevante”, afirma o ministro, sem disfarçar o orgulho de ter participado ativamente dessa história.
No momento da criação do STJ, dados do relatório da comissão presidida por Pádua Ribeiro apontavam a sobrecarga do Judiciário como problema quase incontornável: de um total de 1,8 milhão de processos recebidos pela Justiça Federal entre 1967 e 1987, mais de 900 mil ainda aguardavam julgamento.
Fazendo um paralelo com os dados de hoje, Pádua Ribeiro avalia que a produtividade do tribunal criado pela Constituição é impressionante, tendo em vista os mais de 5 milhões de processos distribuídos aos ministros desde a instalação do STJ, em abril de 1989. “O número não é razoável, cada ministro recebe mais de 10 mil processos por ano. O tribunal tem consciência disso e tem tomado medidas para racionalizar a sua atuação.”
Fonte: STJ

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