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sábado, 14/06/2025

Herança Digital e Ressurreição Virtual: Os Desafios Jurídicos da Vida Pós-Morte no Mundo Online

Com a digitalização da vida cotidiana, nossos rastros online—fotos, mensagens, redes sociais e até moedas virtuais—permanecem mesmo após nossa morte. Mas quem deve controlar esses “bens digitais”? Este artigo, trata dos dilemas jurídicos por trás desse tema, ainda sem regulamentação clara no Brasil.

O Que São Bens Digitais?

Classificados em três categorias, os bens digitais desafiam o Direito tradicional:

  1. Patrimoniais: Criptomoedas, NFTs, milhas aéreas—têm valor econômico e são facilmente transmitidos aos herdeiros.
  2. Existenciais: E-mails, mensagens privadas, fotos íntimas—refletem a personalidade do falecido e geram debates sobre privacidade.
  3. Híbridos: Canais do YouTube, blogs—combinam valor financeiro e identidade pessoal.

O Conflito: Herança vs. Privacidade

O cerne da discussão está na colisão entre dois direitos fundamentais:

– Direito à herança (art. 5º da CF/88): Herdeiros reivindicam acesso universal aos bens digitais.

– Direitos da personalidade (art. 11 do Código Civil): Intransmissíveis e irrenunciáveis, protegem a intimidade mesmo após a morte.

Três correntes doutrinárias se destacam:

  1. Transmissibilidade total: Todos os bens digitais seriam herdáveis.
  2. Apenas bens monetizáveis: Exclui conteúdo pessoal (como mensagens no WhatsApp).
  3. Intransmissibilidade total: Defendida por plataformas digitais, que alegam contratos personalíssimos.

Ressurreição Digital: A Polêmica da “Vida Artificial”

Tecnologias como *deepfakes* permitem recriar digitalmente falecidos—como ocorreu com a cantora Elis Regina em uma campanha publicitária. O debate se acirra:

– Herdeiros podem autorizar o uso da imagem do falecido?

– Corrente majoritária: A personalidade se extingue com a morte; herdeiros só protegem a memória.

– STJ: Herdeiros podem processar por danos morais (Súmula 642), mas não “ressuscitar” o falecido.

Futuro: Projetos de Lei e Reforma do Código Civil

Dois projetos em tramitação no Congresso ilustram a divergência:

– PL 3592/2023: Permite que herdeiros gerenciem a imagem póstuma.

– PL 3614/2023: Só o falecido, em testamento, poderia autorizar sua “ressurreição digital”.

Enquanto isso, uma comissão liderada pelo STJ prepara a reforma do Código Civil, incluindo um capítulo sobre Direito Digital — um passo crucial para equilibrar inovação e proteção da personalidade.

Conclusão

A herança digital expõe lacunas jurídicas em um mundo onde a identidade persiste online. Se, por um lado, tecnologias como IA desafiam noções tradicionais de morte e privacidade, por outro, a regulamentação precisa garantir que os direitos da personalidade não sejam sufocados pelos interesses econômicos ou pela vontade dos herdeiros.

O desafio é claro: como legar nossa vida digital sem violar quem fomos em vida?

JEAN W. WAHLBRINK é advogado em Cuiabá-MT, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela e ESMATRA/UNIVAG, em Direito Civil Contemporâneo pela ESA/UFMT e integrante da banca de advogados Furlan, Pires e Wahlbrink Advogados Associados

**Para saber mais**: Acompanhe a tramitação dos PLs 3592/2023 e 3614/2023 no Congresso Nacional.

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