Responsável por julgar crimes dolosos contra a vida (homicídio e tentativa de homicídio), o Tribunal do Júri é um órgão especial do Poder Judiciário que conta com um colegiado popular – formado por sete cidadãos – para definir se o acusado é culpado ou inocente.
Estudo inédito produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresenta dados sobre esses julgamentos e busca identificar fatores processuais capazes de influenciar na condenação do réu, assim como estabelecer um modelo para identificar a probabilidade de ela ocorrer. A íntegra pode ser acessada aqui.
O gênero dos réus e das vítimas, o número de réus e o tempo de processo foram as três variáveis utilizadas para compor esse modelo. A pesquisa foi feita a partir da análise dos dados relativos a sessões do Tribunal do Júri dos seguintes tribunais estaduais: Acre, Amapá e Roraima (Região Norte), Paraíba (Região Nordeste), Mato Grosso (Região Centro-Oeste), Minas Gerais (Região Sudeste) e Rio Grande do Sul (Região Sul).
De acordo com o DPJ, essas unidades foram selecionadas por terem informações completas a respeito dos processos, com dados sobre condenações ou absolvições, especificando características das partes cadastradas.
Homens, os mais condenados
Em relação ao gênero, os dados mostram que a condenação de réus homens é maior. A probabilidade de condenação também aumenta quando a vítima é do sexo feminino. Na Paraíba, o fato de o réu ser mulher reduz em 81% a chance de condenação e cresce em 2,6 vezes se ela for a vítima.
A análise das informações encaminhadas pelos tribunais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul repete esse padrão e, respectivamente, apresenta números 1,7 e 2,4 vezes superior no caso de haver mulheres como vítima.
A pesquisa revelou ainda que, quanto maior o número de réus, o percentual de condenação tende a diminuir. Os dados referentes aos julgamentos da Região Norte ilustram bem essa constatação. Nos processos com três réus, por exemplo, a chance de condenação cai em 54% e, em 75%, no caso de quatro réus. Em Minas Gerais, os números caem em 17%, 48% e 33% no caso de haver dois, três e quatro réus.
Tempo de duração
O tempo de duração do processo, que mostrou variação relevante entre os tribunais analisados, foi considerado a partir de diferentes variáveis: incidência de redistribuições; resultado do julgamento (condenação/absolvição); gênero da vítima, gênero do réu e ocorrência do homicídio no âmbito da Lei Maria da Penha.
A classificação processual apresentou elevado impacto na distribuição dos processos. Aqueles autuados de forma correta tramitaram de forma mais célere enquanto as ações que tiveram os autos redistribuídos tiveram, em média, redução de 30% na velocidade da tramitação.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso foi o que apresentou o maior índice de redistribuição, com 70,2% dos casos e, consequentemente, o maior tempo médio de duração do processo, com 5 anos e 7 meses.
O resultado do julgamento (condenação ou absolvição) também sofreu influência direta do tempo de tramitação. De acordo com os dados analisados, em todos os tribunais, os processos que resultaram em condenação tramitaram mais rapidamente – com aceleração de 21,7% no tempo entre a distribuição e o julgamento, enquanto as ações em que os réus foram absolvidos tiveram maior duração.
Em relação ao gênero de réus e vítimas, a pesquisa mostrou diferentes contextos no impacto na duração do processo. Enquanto o sexo dos acusados não teve relevância no tempo de tramitação, o fato de a vítima ser mulher revelou leve incremento, da ordem de 6%, no tempo de realização da sessão do Tribunal do Júri
Especificamente nos casos de feminicídio, essa tendência se manteve. Em todos os tribunais analisados, os casos foram julgados de forma significativamente mais célere, 1,75 vezes mais rápido em relação aos demais.
Mobilização
Em 2016, houve, pela primeira vez, a realização do Mês Nacional do Júri, mobilização dos tribunais de Justiça, organizada por ato da Presidência do CNJ em substituição à Semana Nacional do Júri. A ação foi formalizada na Recomendação CNJ n. 53/2016.
Ao longo do mês de novembro, foram realizados pelo menos 2.980 júris no país. O evento fez parte da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) – parceria que une o CNJ, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Ministério da Justiça – e priorizou o julgamento de crimes de homicídio envolvendo violência contra a mulher (feminicídio), crimes praticados por policiais no exercício ou não de suas funções, e aqueles oriundos de confrontos dentro ou nos arredores de bares ou casas noturnas.
Ao participar da abertura do Mês Nacional do Júri em solenidade no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, destacou a importância da iniciativa. “O cidadão brasileiro reclama da Justiça, ou melhor, da falta de Justiça, especialmente quando se cuida de crimes como homicídio. Esse esforço concentrado serve para mostrarmos ao cidadão que nós nos preocupamos com cada um que é morto e não precisava ter sua vida ceifada”, afirmou a ministra. O Brasil ocupa atualmente o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, com mais de 59 mil casos registrados em 2014.