Acompanhar de perto o crescimento dos filhos é o desejo da maioria das mães. No entanto, muitas mulheres, por estarem presas, ficam privadas do convívio com suas crianças. Essa situação começou a mudar desde a entrada em vigor do Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257), que, entre outras medidas, alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) em seus incisos IV, V e VI.
As mudanças na legislação possibilitaram o cumprimento da prisão preventiva em regime domiciliar para as mulheres gestantes ou com filhos de até 12 anos incompletos (e também para o homem, caso seja o único responsável pelos cuidados com o filho de até 12 anos). Uma lei de 2011 já assegurava essa possibilidade à mulher que comprovasse ser imprescindível aos cuidados de pessoa menor de seis anos ou com deficiência.
No julgamento do HC 143.641, em 20 de fevereiro de 2018, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) analisaram a situação das mulheres submetidas à prisão cautelar que ostentavam a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças e deficientes.
Ao conceder a ordem coletiva para substituir a prisão preventiva dessas mulheres pelo regime domiciliar, o relator do habeas corpus, ministro Ricardo Lewandowski, ressaltou que ficariam de fora “os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”.
Caso a caso
Desde a aprovação do Estatuto da Primeira Infância, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem analisado muitos casos de mães ou gestantes que pedem o benefício da prisão domiciliar.
Apenas um dia depois da publicação da nova lei, o ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz deferiupedido de prisão domiciliar em favor de mãe de 19 anos, grávida e com um filho de dois anos, detida quando tentava entrar com drogas no presídio onde seu companheiro cumpria pena.
No primeiro ano de vigência da Lei 13.257/2016, o tribunal proferiu mais de 70 decisões concessivas de prisão domiciliar para mães com base no artigo 318 do CPP. Nos 32 casos julgados em colegiado que tiveram resultado favorável às mães naquele primeiro ano, 12 das beneficiárias eram representadas pela Defensoria Pública, cuja missão é dar assistência gratuita aos mais necessitados.
A concessão da prisão domiciliar, no entanto, depende sempre da análise individualizada de cada caso, porque é preciso considerar as circunstâncias do crime, aspectos pessoais da presa, a eventual impossibilidade de assistência aos filhos por outras pessoas e a situação econômica da família.
Cuidados maternos
Em julgado recente, de 7 de fevereiro de 2019, a Quinta Turma concedeu a substituição do regime, acrescida do cumprimento de medidas cautelares previstas no artigo 319, I, II, IV e IX do CPP, para presa condenada em primeira instância à pena de seis anos de reclusão por tráfico de droga, e impedida de recorrer em liberdade. A defesa alegou que a presa era mãe de duas crianças com menos de 12 anos e foi flagrada com quantidade pequena de drogas.
“A paciente é mãe de duas crianças, de seis e três anos de idade. Não se ignora que, segundo consta do acórdão, a paciente mostra comportamento delitivo reiterado, além de haver relatos de que não exerce efetivamente a guarda e os cuidados das filhas de forma constante e realmente interessada. Porém, é necessário ponderar que a necessidade e os benefícios advindos dos cuidados maternos em relação a crianças de tão tenra idade são indiscutíveis”, explicou o relator do habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Em seu voto, ele também destacou que a prisão domiciliar da gestante ou mãe de filhos com até 12 anos incompletos é uma previsão que busca adequar a legislação ao compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras de Bangkok (HC 469.848).
Proteção integral
Também em fevereiro de 2019, a Quinta Turma concedeu a substituição do regime para mulher presa em flagrante por portar pouco mais de três quilos de cocaína. O ministro Ribeiro Dantas, relator do habeas corpus, destacou que o cumprimento da prisão cautelar em regime domiciliar, no caso, tem como prioridade absoluta os direitos da criança.
“Entendo que é adequada a substituição da custódia preventiva pela prisão domiciliar, dada a necessidade de observância à doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, tendo em vista que a paciente foi denunciada por delito praticado sem violência ou grave ameaça e possui filhos menores de 12 anos”, esclareceu o ministro (HC 486.900).
Razões humanitárias
A substituição do regime prisional também foi concedida para presa mãe de um filho de cinco anos com autismo. Por causa dos problemas de saúde, a criança tem necessidade de realizar terapia ocupacional semanalmente. O pai do menino, separado da mãe, também está preso, e a avó, que cuidava do menor, sofreu um acidente vascular cerebral em 2015 e ficou com sequelas.
Acusada de extorsão qualificada, receptação, uso de documento falso e adulteração de placa de veículo, a mãe pediu a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
Ao conceder o pedido, mediante monitoração eletrônica, o relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, ressaltou que, “não obstante a gravidade da imputação, a prisão domiciliar há de ser deferida por razões humanitárias, diante das peculiaridades do caso concreto”.
Convenção internacional
Antonio Saldanha Palheiro destacou, em seu voto, a legislação que garante às crianças o convívio materno, incluindo o artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
“Na Convenção sobre os Direitos da Criança, tratado internacional adotado pela assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989, e ratificada pelo Decreto Presidencial 99.710/1990, também foi estabelecido pelos Estados-parte que ‘a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família’”, afirmou o relator (RHC 68.500).
Situações excepcionalíssimas
Segundo o artigo 318-Ado CPP, incluído pela Lei 13.769/2018, as gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência terão a prisão preventiva convertida em domiciliar, desde que não tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça a pessoa ou contra seus filhos ou dependentes.
Essas duas ressalvas foram previstas no habeas corpus coletivo concedido em fevereiro de 2018 pelo STF, o qual também havia admitido que o juiz denegasse a concessão da prisão domiciliar diante de “situações excepcionalíssimas”.
Em fevereiro último, a Quinta Turma do STJ entendeu que as duas ressalvas expressas da lei não são um rol taxativo e decidiu negar a conversão da prisão preventiva em domiciliar, seguindo a posição do relator, ministro Joel Ilan Paciornik, aplicando o entendimento de que era possível considerar a excepcionalidade do caso concreto.
Referindo-se ao habeas corpus do STF, o ministro afirmou que se verificava no caso em análise “a excepcionalidade prevista no mencionado julgado, tendo em vista que, conforme fundamentado pelas instâncias ordinárias, a paciente é apontada como líder do tráfico de entorpecentes na região, exercia suas atividades mediante utilização de arma de fogo, e foi apreendida grande quantidade de drogas sob sua responsabilidade (470g de maconha e 857g de cocaína)”. Segundo acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ela deixava os filhos aos cuidados de uma terceira pessoa durante boa parte do dia e à noite.
Direito dos menores
Ao concordar com o relator, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que “o fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais”.
Para o ministro, no caso em análise, manter a mãe em prisão preventiva é uma forma de preservar a segurança das crianças. “Manter a genitora afastada da residência e dos filhos mostra-se a solução mais adequada para assegurar os direitos dos menores, sobretudo em razão do efetivo perigo atraído pela presença dela, decorrente do profundo envolvimento com a criminalidade e com ações de elevado risco pelo uso de arma de fogo, inclusive com registro de disparos por ela efetuados”, disse (HC 426.526).
Condições pessoais favoráveis
Em outro julgado de fevereiro, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso em habeas corpus, também manteve a prisão cautelar de uma mãe – cuja filha tinha dois anos de idade – acusada de participar da “maior organização criminosa do país, altamente articulada e especializada na consecução de crimes patrimoniais contra instituições bancárias e o sistema financeiro”.
Em seu voto, o ministro ressaltou que, entre os impeditivos para a concessão do benefício, segundo o acórdão de segunda instância, estão as situações excepcionalíssimas, que devem ser devidamente fundamentadas.
“Cumpre registrar que esta corte superior possui entendimento firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis do agente, como primariedade, antecedentes e domicílio certo, não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela”, afirmou o relator (processo em segredo de Justiça).