Ao abrir o painel intitulado Meio ambiente e empresa no Direito Agrário, durante o I Congresso Nacional de Direito Agrário, na tarde de sexta-feira (11/8), no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), o ex-deputado Aldo Rebelo, relator na Câmara Federal do projeto de lei que originou o novo Código Florestal brasileiro (Lei 12.651/12), afirmou que “o marco legal trouxe para a legalidade 90% das propriedades rurais”. Segundo ele, “as propriedades eram empurradas para a ilegalidade pela legislação anterior, um conjunto de normas que já não cumpriam a função de harmonizar a proteção ao meio ambiente e à riqueza da produção agropecuária e da indústria”.
Aldo Rebelo, que também ocupou o cargo de ministro da Defesa, acrescentou que, após cinco anos de vigência, o Código Florestal foi posto à prova, “conseguindo até mesmo a proeza de ser elogiado pelos seus detratores que, capitaneados pelo Greenpeace Brasil, se opuseram à aprovação da nova legislação”. O ex-parlamentar explicou as razões pelas quais houve forte resistência à aprovação do código: “É a correlação de forças, no campo político e econômico, que produz a norma jurídica”.
Na sua exposição, Aldo Rebelo criticou decisões de alguns juízes na área ambiental, tomadas sem consulta a especialistas. “O Poder Judiciário toma decisões sem ouvir os biólogos, os agrônomos e os ambientalistas”, afirmou. Ele também fez críticas às ONGs: “São um meio de vida lucrativo para muitas pessoas que integram essas instituições, que recebem volumosos recursos de grandes corporações e governos de países desenvolvidos que se utilizam do discurso da luta pela preservação do meio ambiente para atingir os seus objetivos comerciais em outros territórios”.
Também participou do painel a professora Flávia Trentini, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP), que falou sobre questões da adaptação do direito italiano à legislação brasileira. O painel teve mediação do advogado Francisco Carrera, professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).
O alto tributo da escravidão
“Até hoje pagamos um tributo muito alto por termos demorado a reconhecer a ignomínia da escravidão”, afirmou o desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), ao participar do painel sobre A questão quilombola, com a mediação do desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, do mesmo tribunal. No primeiro debate da manhã de sexta-feira, o palestrante destacou que os avanços no processo de regularização fundiária dos territórios quilombolas já resultaram na demarcação de 2.600 áreas em todo o País.
Marco Aurélio Bezerra de Melo, contudo, ressaltou que “as chacinas continuam acontecendo, como a ocorrida na madrugada da última segunda-feira (7/8), num quilombo da Bahia”. O magistrado se referiu ao assassinato de seis trabalhadores rurais do Território Quilombola de Iúna, no distrito de Tanquinho, em Lençóis, na região da Chapada Diamantina.
No mesmo painel, os advogados Roberto Élito e Carlos Gondin falaram sobre suas experiências na assessoria técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “Quilombo não é caridade, mas uma política de regularização fundiária”, afirmou Gondin.
Reconhecimento de um direito originário
Na sua intervenção no debate sobre Demarcação das terras indígenas, o professor da Uniceub Eduardo Mendonça disse que a demarcação, na lógica da Constituição Federal, “não é um ato de benevolência, mas de reconhecimento a um direito originário daqueles que têm uma relação umbilical com a terra, tanto do ponto de vista da subsistência quanto da preservação da sua cultura”. O painel foi presidido pelo desembargador Guilherme Calmon, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região.
Na sua participação, o advogado Rudy Ferraz, da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), disse que “o processo de demarcação de um território quilombola é mais transparente do que o de uma área indígena”. De acordo com o advogado, “a Funai demarca a terra, após anos de estudos antropológicos, e dá um prazo de somente 90 dias, sem notificá-lo, para que o produtor rural se manifeste sobre a decisão, desrespeitando o amplo direito de defesa e o contraditório”.
Professor de legislação agroambiental, Pedro Puttini revelou: “No meu estado, Mato Grosso do Sul, há um grande foco do problema, com 133 fazendas invadidas, numa área total de 300 mil hectares, com o objetivo de forçar a demarcação das terras indígenas”.
Responsabilidade objetiva
Outro assunto tratado no I Congresso Nacional de Direito Agrário foi Segurança alimentar e proteção do consumidor. Fizeram palestras o desembargador Roberto Grassi Neto, do TJSP, e a presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Rio de Janeiro (Consea/RJ), Juliana Medrado Tângari. Os debates foram mediados pela advogada Mônica Werneck, membro da Comissão de Direito Agrário e Urbanismo do IAB.
“O direito de todos à segurança alimentar, ou seja, à alimentação adequada, exige transparência nas informações a respeito do produto, como a sua validade; rastreabilidade, que é o acompanhamento do movimento do alimento em todas as etapas da produção, e responsabilidade objetiva dos fornecedores por danos ao consumidor”, afirmou o desembargador, que exemplificou: “Não importa a culpa; a responsabilidade solidária é tanto do fabricante do iogurte quanto do proprietário do supermercado”.
Juliana Medrado Tângari enfatizou que o direito humano a alimentação adequada está previsto no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. De acordo com a presidente do Consea/RJ, “no Brasil, demorou muito tempo para que a legislação passasse a falar de segurança alimentar e nutricional”. Segundo ela, ”o direito humano à alimentação adequada foi reconhecido somente em 2010, com a aprovação de uma emenda que o incluiu no rol dos direitos sociais definidos na Constituição Federal”.
Legislação distanciada da realidade
O último painel da tarde de sexta-feira foi sobre Segurança jurídica e ativismo judicial. Ao abrir o debate, o mediador Fábio de Salles Meirelles Filho, que é presidente do Instituto Pensar Agropecuária, fez questão de ressaltar que a legislação brasileira está distanciada da realidade do campo. “Vimos aqui institutos jurídicos que travam a atividade agropecuária em nome do meio ambiente”, afirmou. Fábio Meirelles também citou dados que, segundo ele, desmistificam a ideia de que a agropecuária causa o desmatamento: “No Brasil, 74,3% das terras são de vegetação nativa. Que outros países têm um índice tão alto?”, indagou.
O deputado federal Evandro Gussi (PV-SP), que é advogado e doutor em Direito pela USP, falou sobre a necessidade de haver segurança jurídica para o desenvolvimento do País, afirmando que “quando nos falta segurança jurídica, não compramos bens nem investimos em novos projetos”. Para ele, “a insegurança jurídica talvez seja o pior entrave para o Brasil”.
Juiz federal e membro do Conselho Nacional do Ministério Público, Valter Shuenquener de Araújo também participou da mesa de debates e disse que “as relações, em nosso País, estão baseadas na desconfiança”, Segundo ele, “ninguém confia mais na autoridade estatal”. Shuenquener citou alguns exemplos de segurança jurídica em outros países e afirmou: “Não dá para se falar em Direito Agrário sem se ter uma previsibilidade das regras”.
A intervenção judicial nos problemas agrários
O I Congresso Nacional de Direito Agrário, realizado pelo IAB em homenagem a Octavio Mello Alvarenga, foi encerrado na tarde de sexta-feira (11/8) com uma palestra do presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador André Fontes, sobre A especialização das turmas dos tribunais regionais federais. Ele falou sobre a intervenção judicial para a resolução de problemas agrários e os entraves para se criarem varas especializadas. “Hoje, no Brasil, ainda temos dificuldades em definir o lugar de cada tema do direito agrário”, comentou.
Especificamente sobre o TRF 2ª Região, que engloba os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, o desembargador ressaltou que os litígios agrários nessa região diferem do restante do País. No RJ, prevalecem as questões quilombolas, enquanto no ES são as questões indígenas que geram mais conflitos. “A ideia de uma vara única para as questões agrárias é contraditória. Jamais poderiam ser competência específica de um só juiz”, afirmou André Fontes.
Segundo ele, “a ideia de competência, no direito brasileiro, ainda é muito ligada à posição do juiz, quando deveria ser em relação aos temas”. Além de defender a aplicação da pena por analogia, o desembargador disse que é preciso “reduzir as regras e aumentar a competência do juiz para encontrar a melhor solução”.