Eleito para presidir o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no biênio 2018-2020, o ministro João Otávio de Noronha aponta a tecnologia da informação como o caminho para superar o que ele considera que ainda é o grande desafio da corte: reduzir o tempo de tramitação do processo.
“O uso da inteligência artificial será de grande valia para refinar triagens e imprimir maior celeridade aos fluxos de trabalho internos. É um dos setores em que pretendemos investir boa parte dos recursos financeiros disponíveis”, diz o ministro nesta entrevista.
Durante sua gestão, o STJ completará 30 anos de instalação, ocorrida em 7 de abril de 1989. Como o ministro enxerga a evolução do tribunal nas últimas três décadas? Quais são os principais desafios que a corte tem pela frente?
João Otávio de Noronha – Há trinta anos eu era advogado em Varginha, Minas Gerais, e acompanhava, com grande expectativa, a criação do STJ exatamente porque a maioria dos processos em que eu atuava teria seu deslinde nesta corte. Havia, claro, muitas dúvidas por parte de advogados, Ministério Público e do próprio Judiciário a respeito do funcionamento do novo tribunal e, acima de tudo, do posicionamento que adotariam seus ministros nas questões anteriormente julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. O tempo passou e, felizmente, percebemos que o Tribunal da Cidadania tem cumprido, com louvor, sua vocação constitucional de uniformizar a jurisprudência e de interpretar as normas infraconstitucionais. O tribunal é, hoje, a principal referência do jurisdicionado no momento de estabelecer suas relações jurídicas, por mais complexas ou mais prosaicas que sejam.
Evidentemente que há muito a ser feito, uma vez que, embora mostre produtividade impressionante, a corte não tem conseguido entregar a prestação jurisdicional no tempo desejável. Este será sempre o desafio: reduzir o tempo de tramitação do processo, produzindo decisões de mérito de qualidade, de modo a oferecer à população a segurança jurídica que todos buscam.
Nunca é demais lembrar que é o jurisdicionado a razão da própria existência deste tribunal e que todas as nossas ações deverão convergir para atendê-lo nas suas justas expectativas.
Para lidar com um acervo processual que gira em torno de 350 mil processos, o STJ precisou adotar iniciativas de âmbito externo – a exemplo da proposta de emenda à Constituição que busca estabelecer um filtro para os recursos especiais – e também interno – como o aprimoramento do sistema de gestão de recursos repetitivos. Essas medidas terão continuidade com a nova presidência? Há espaço para novas iniciativas?
João Otávio de Noronha – A resposta é afirmativa para ambos os questionamentos. De fato, é de suma importância para enfrentar essa avalanche de processos que aporta no STJ diariamente que o Congresso Nacional promulgue a emenda ao texto constitucional que obriga o interessado a demonstrar a relevância da questão de direito federal discutida como requisito de admissibilidade de seu recurso. Ao contrário do que afirmam os mais desavisados, referida emenda não busca criar obstáculo ao livre acesso ao Judiciário, mas sim possibilitar que o tribunal se debruce sobre as questões mais significativas para a sociedade e lhes dê solução mais consentânea com o espírito da lei federal analisada. O Superior Tribunal de Justiça não é, como repetimos sempre, uma terceira instância recursal, e a promulgação dessa emenda lhe restituirá o papel que a Constituição Federal lhe reservou.
Quanto à gestão dos recursos repetitivos, houve sensível melhora nos últimos tempos, entre outras razões, pela feliz escolha do grupo de ministros que, coordenados pelo ministro Paulo Sanseverino, tem trabalhado com afinco para o aperfeiçoamento dos procedimentos aplicáveis ao instituto. Queremos assegurar o apoio necessário para que esse importante instrumento de gestão seja cada vez mais difundido e utilizado nas instâncias ordinárias. Além de conferir racionalidade ao sistema, essa técnica de julgamento, ao propiciar a entrega de soluções idênticas para as mesmas questões de direito submetidas à apreciação do Judiciário, acaba por desestimular aventuras jurídicas e por fazer crescer o sentimento de justiça entre os jurisdicionados.
É na área de tecnologia da informação, todavia, que vejo o campo mais fértil para desenvolver soluções para o problema do volume de processos submetidos ao STJ. O uso da inteligência artificial será de grande valia para refinar triagens e imprimir maior celeridade aos fluxos de trabalho internos. É um dos setores em que pretendemos investir boa parte dos recursos financeiros disponíveis.
As últimas gestões do STJ foram marcadas por momentos de crise econômica no Brasil, que demandaram a adoção de medidas de racionalidade e controle dos gastos. Essa continuará a ser uma preocupação da presidência? Quais ações poderão ser executadas para melhoria da gestão econômica e orçamentária?
João Otávio de Noronha – Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que, infelizmente, não poderemos trabalhar com a perspectiva de solução da crise econômica no curto período de um mandato à frente do tribunal. Em segundo lugar – e esse é um ponto positivo para o país –, nenhum gestor público poderá ignorar a adoção de medidas de racionalidade e de controle de gastos a partir de agora, medidas, aliás, que nunca poderiam ter sido olvidadas. Nesse contexto, teremos de exercitar a criatividade e otimizar a utilização dos recursos orçamentários até o último centavo.
Assim, entre outras ações que pretendemos implementar, estão a revisão dos procedimentos para aquisição de bens e serviços no intuito de baratear custos; o estímulo da prática de teletrabalho, desde que a análise dos números o recomende; o investimento na melhoria do fluxo de trabalho entre o STJ e os tribunais estaduais/regionais, a fim de evitar o retrabalho e custos desnecessários com digitalização; a racionalização do uso da frota de carros do tribunal ou, eventualmente, a utilização do serviço de transporte prestado por terceiros. Obviamente, prosseguiremos na busca de novos recursos nos demais Poderes da República.
Nos últimos anos, o ministro ocupou cargos importantes na magistratura, como corregedor-geral eleitoral, corregedor-geral da Justiça Federal e, por último, corregedor nacional de Justiça. De que forma essas experiências podem contribuir para conduzir o STJ como presidente?
João Otávio de Noronha – O exercício desses cargos permitiu-me conhecer melhor as virtudes e as mazelas do Judiciário brasileiro, observar diferentes realidades e perceber que, com disposição para o trabalho e com planejamento, podemos alcançar bons resultados. Além disso, é imperiosa a construção de um clima de trabalho favorável, em que prevaleçam o respeito e o diálogo aberto e franco entre todos os atores, internos e externos, que têm parte no dia a dia do STJ. Apesar das limitações orçamentárias, é necessário investir na saúde e capacitação dos servidores, na formação dos magistrados e na implementação de ações socioambientais, cabendo lembrar que o presidente do Superior Tribunal de Justiça é também o presidente do Conselho da Justiça Federal, órgão responsável pela administração da Justiça Federal no país.
Os desafios são grandes, mas estou certo de que encontrarei apoio para desenvolver alguns projetos que reputo necessários para que o STJ melhore sua produtividade e cumpra a missão de bem servir à população brasileira no que toca à prestação jurisdicional a seu cargo. Tenho compromisso com essa missão e não pretendo abdicar dele.