Em sua publicação original o Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que estabeleceu o Código Penal, limitou em seu artigo 55 a duração máxima da pena privativa de liberdade em 30 anos, ao tempo da promulgação do referido decreto é de se notar que se regia a Constituição dos Estados Unidos do Brasil 1937 (Estado Novo – Era Vargas), que estabelecia como direito e garantia individual em seu artigo 122, item 13 o impedimento de penas corpóreas perpétuas.
Em 1946 após a queda do Estado Novo, nasce a quinta Constituição que na mesma linha manteve como direito e garantia individual em seu artigo 141, § 31 a proibição da pena em caráter perpétuo.
A Constituição de 1967 em seu artigo 150, §11, de igual forma determinou a proibição das penas de caráter perpétuo, porém previa a possibilidade de sua aplicação em caso de guerra externa psicológica adversa, revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar, que foi mantida na emenda constitucional 01 de 1969 passando a previsão para artigo 153, § 11.
Neste mesmo contexto a Constituição Cidadã de 1988 traz como garantia fundamental em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”, o impedimento da aplicação da pena em caráter perpétuo.
Em exposição de motivos no item 61 o projeto do Código Penal trouxe em seu bojo a fundamentação de que a vedação constitucional para pena de prisão perpétua as penas devem ser limitadas para alimentarem no condenado a “esperança da liberdade e a aceitação da disciplina”, assim sendo considerou que tais pressupostos são essenciais para eficácia da aplicação penal como forma de tratamento, inferindo que a duração da pena máxima como mecanismo desestimulador do crime, e com a Lei 7209/84 inseriu-se o artigo 75 determinando o tempo máximo em 30 anos.
Em recente modificação legislativa através da Lei 13654/2019 o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade aumentou para 40 (quarenta) anos.
Tal alteração modifica na prática o tempo máximo que um determinado agente violador das normas penais pode permanecer em regime privativo de liberdade, ou seja, com a unificação de penas os benefícios instituídos na Lei de Execução Penal que também foram alteradas pela nova Lei, como progressão de regime de cumprimento de pena e liberdade condicional continuam sendo calculados com base no total da unificação, porém com cumprimento máximo de 40 anos, ou seja no nova dogmática um sujeito que seja reincidente em crime hediondo com resultado morte deverá cumprir 70% da sua pena em regime fechado para ter o benefício da sua progressão, como exemplo:
“Felisbino com 25 anos condenado a prática de latrocínio condenado a 27 anos, posteriormente fora condenado em outro caso de latrocínio a pena de 30 anos, com a unificação de penas para fins de benefício será de 57 anos, tendo que cumprir em regime fechado 40 anos, assim em tese progredirá de regime com 65 anos”
Já um apenado primário em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça deverá cumprir o lapso temporal mínimo de 16% (dezesseis por cento) da sua pena para ter benefício da progressão e 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça.
Já no caso do apenado primário ter cometido o crime com violência à pessoa ou grave ameaça o lapso temporal mínimo para pleitear a progressão passa a ser 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça, e 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente.
No caso de prática de crimes hediondos e equiparados o apenado primário deverá cumprir 40% de sua pena, sendo 50% se houver resultado morte na prática do ilícito sendo neste caso vedado inclusive o benefício do livramento condicional, bem como se for condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado e condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada.
O lapso temporal para reincidentes em crimes hediondo ficou em 60% (sessenta por cento) da pena, excluindo-se como crime hediondo ou equiparado a pratica de tráfico privilegiado seguindo já a tendência das decisões dos Tribunais Superiores.
Importa ainda, que o tempo máximo previsto no preceito secundário da Lei Penal de igual forma não poderá exceder a 40 anos modificação esta que não pode ser de forma automática.
Deve ser levado em consideração que conforme previsão legal instituída no artigo 111, § 2º na Lei de Execuções Penais, que em caso de superveniência de nova condenação, posterior ao início do cumprimento da pena, será de acordo com a soma deste desprezando-se no cálculo o período já cumprido.
Porquanto considerada norma de direito material, a pena máxima de 40 anos se aplica apenas para fatos praticados a partir do vigor da Lei 13.964/19, assim, sua publicação oficial deu-se em 24 de dezembro de 2019 com uma vacatio legis de 30(trinta) dias, serão aplicados a partir de 24 de janeiro de 2020.
Importa salientar que a justificativa ao limite máximo da aplicação de pena está sustentada na vedação à imposição de penas de caráter perpétuo.
Ocorre que se percebe que tanto objetivamente em se tratando de um sujeito já com idade avançada ao cumprimento de uma pena para obtenção de benefício em casos de lapso temporal mínimo de cumprimento em 70% podemos considerar que se trata sim de uma pena de caráter perpétua em determinados casos.
A análise aqui, no entanto vai além da forma objetiva para mensurar-se a subjetividade da aplicação da pena.
De acordo com as teorias das funções da pena destaca-se a retribuição, ou seja, o Estado como detentor do jus puniendi impede a autotutela com a finalidade de salvaguarda a ordem pública então pune o sujeito que viola as regras impostas por este próprio Estado que limita o comportamento do ser humano de acordo com seus padrões e interesses. Com isso, entende-se que nasce a intimidação social, os sujeitos ao verificarem que existe uma punição que está sendo aplicada por tais violações deixariam de praticar os atos ilícitos que o Estado assim o considera caracterizando a função preventiva da pena, inclusive impedindo a reincidência.
Em análise devemos pontuar como a mais útil à sociedade a função ressocializadora, pois trata a causa e o efeito daquele que pratica a violação, oportunizando chance de um convívio harmônico com o Estado (como estabelecedor de normas penais) e com a sociedade, preparando o sujeito para esse convívio através de programas de orientação, trabalho e estudos.
Assim, o benefício progressivo de pena que nada mais é que uma reinserção gradual do sujeito então apenado, tem como base a sustentabilidade para fazer funcionar todo mecanismo deste possível convívio harmônico e impeditivo de novas violações.
Ocorre que infelizmente o sentimento meramente punitivista tem tomado conta da sociedade, mesmo que a legislação determine que um infrator legal possa voltar ao convívio harmônico, este sujeito esbarra com todo tipo de impedimento, primeiro, as instituições penais pautadas na ressocialização concedendo pleno direito ao trabalho, estudo e orientações são poucas, o sujeito que poderia aprender um novo ofício ao cumprir sua pena e assim ser verdadeiramente útil para si e para sociedade se vê tolhido destas oportunidades.
A ser reinserido na sociedade o sujeito é estigmatizado e as oportunidades são praticamente nulas, inclusive o próprio Estado impede passivamente que sujeitos com antecedentes criminais tomem posse em cargos públicos, momento em que o Estado passa a responsabilidade desta ressocialização para sociedade onde empresas privadas que devem oportunizar essas novas oportunidades de trabalho ao egresso.
Para que o sujeito possa assumir uma função pública de acordo com artigo 93 e seguintes do Código Penal após 2 anos extinta de qualquer modo o cumprimento de sua pena pode este requerer a sua Reabilitação.
Assim, é assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação, tendo este direito ao esquecimento, inclusive podendo pleitear a retirada da condenação ou condenações anteriores na folha de antecedentes do reabilitado, dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal, conforme artigo 748 do Código de Processo Penal.
O fundamento ainda está amparado no artigo e 202 da Lei de Execuções Penais, que determina que após cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.
O direito ao esquecimento também abrange matérias jornalísticas, podendo ser requerido a sua retirada sob pena de ação civil indenizatória, própria a base da fundamentação baseia-se justamente na vedação da pena subjetiva perpétua, evitando-se um eterno bis in idem da pena, pois é agigantado a dificuldade do sujeito que sem perspectiva regressa ao convívio social taxado como criminoso, sofrendo a discriminação e inclusive de indivíduos que insistem em manter a eterna aplicação da pena.
Outra fundamentação baseia-se no princípio da dignidade da pessoa humana e no próprio direito a imagem para manutenção da integridade física, moral e intelectual, conforme artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal de 1988, uma vez que se evita com isso até que o sujeito esteja à mercê e justiceiros.
Deve ser levado em consideração que o impedimento pelos membros da sociedade pela reinserção do egresso ou reeducando mantendo a estigmatização do sujeito retirando possibilidades de se tornarem úteis no meio social é fator preponderante para manutenção do sujeito no seio criminoso perpetuando a pena.
Autora: MICHELLE MARIE, advogada criminalista e agroambiental, Ouvidora Nacional da ABRACRIM, Presidente da ABRACRIM/MT, criadora e coordenadora da Pós-graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal com Ênfase em Tribunal do Júri, criadora e coordenadora do Movimento de Combate aos Crimes Sexuais, Professora de Direito Penal e Processo Penal e Prática Jurídica, membro efetiva do IAMAT- Instituto dos Advogados Mato-grossenses.