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sábado, 16/11/2024

Projetos da Justiça visam prevenir violência que passa de pais para filhos

Foto: Divulgação/internet
Não bastasse o que passou durante os mais de 20 anos de casamento abusivo com o ex-marido, agressor, pai de seus três filhos, Mariana*, 48 anos, lida, agora, com um novo algoz. O filho, de 24 anos, vem reproduzindo o modelo de relacionamento – cheios de xingamentos e violência patrimonial – que aprendeu no convívio com a família.
Mariana conta que ainda não teve coragem de denunciar o filho. “Tenho pena dele, mas estamos fartos de violência aqui em casa. No mês passado, depois de uma discussão, ele apertou o pescoço da irmã. Isso não está certo. Vai acabar pagando caro”, diz, chorando, a professora aposentada.
A juíza Teresa Cristina Cabral Santana dos Santos, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário de São Paulo (Comesp) é uma das muitas magistradas que percebe a sucessão de histórias de violência dentro da mesma família, que chegam à Justiça. “Foi o que eles viveram, é a força do exemplo”, diz a magistrada que atua em Santo André, região metropolitana de São Paulo.
A transgeracionalidade (transmissão de um comportamento de uma geração para outra) tem sido um dos focos do combate à violência doméstica que a Justiça tem implementado, por orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Política Nacional de Combate à Violência Doméstica e Familiar (Resolução nº 254/2018). Dentre outros pontos, a norma – que define diretrizes voltadas ao enfrentamento à violência doméstica no âmbito da Justiça – incentiva os tribunais a desenvolverem ações ou estabelecerem parcerias, para a prevenção da violência familiar.

O encaminhamento dos casos para os serviços sociais e psicológicos, disponíveis aos cidadãos, como os Centro de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), que trabalham pessoas afetadas por violações de direitos, é uma das medidas aplicadas com frequência. “Faço esses encaminhamentos e aplico, também, medidas protetivas. Isso garante certa segurança para essas mães. A verdade é que elas têm muito mais dificuldade em denunciar as agressões dos filhos do que a dos companheiros”, afirma Teresa Cristina, que faz uma ressalva às mães, vítimas de violências dos filhos.

“É preciso fazer algo em relação a isso. A violência não para sozinha”, diz a magistrada, da Justiça paulista. Na 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica de Cuiabá (MT), a Justiça tem utilizado técnicas da constelação familiar e da justiça restaurativa para tratar famílias adoecidas pela violência.
Jamilson Haddad de Campos, juiz titular da vara, explica que se os comportamentos não forem compreendidos, se repetirão, mais cedo ou mais tarde. “Temos uma cultura machista e violenta muito arraigada. Aqueles que vivenciaram a violência acabam naturalizando esses comportamentos. As meninas costumam aceitar a dominação, e os meninos tornam-se autoritários e abusivos. É o ciclo da violência se repetindo”, diz o magistrado.
Segundo ele, o objetivo desse trabalho é trazer ao conhecimento dos envolvidos as origens dos conflitos, os efeitos da repetição dos ciclos da violência, os impactos que provocam na vida dos filhos e o motivo pelos quais há tanta dificuldade de se romper relacionamentos tóxicos.
A unidade faz, em média, 10 audiências por dia com mulheres vítimas de violência domésticas, além das audiências coletivas que reúnem de 30 a 40 mulheres. Mas o tamanho do problema é bem maior. Desde quando o CNJ passou a acompanhar mais de perto os processos de violência doméstica em tramitação no Judiciário, o número de casos só aumentou.
Em 2016, havia quase 892 mil ações em tramitação na Justiça. Dois anos depois, esse número cresceu 13%, superando a marca de um milhão de casos. Os dados dos tribunais foram consolidados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ). Não há um recorte de reincidências dos casos nem se sabe quantos desses são cometidos pelos filhos.
Reincidência
No Rio Grande do Sul, o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Porto Alegre trabalha desde 2011 com reeducação de homens. Pelo projeto do grupo reflexivo já passaram 601 réus em processos de violência doméstica. O índice de reincidência dos homens que frequentam o curso, segundo a magistrada titular da vara, Madgéli Frantz Machado, não chega a 4%. “Uma taxa bem abaixo dos 70% que a reincidência criminal costuma ter”, compara.
O Tribunal de Justiça gaúcho (TJRS) possui outros 15 projetos voltados ao combate ou prevenção à violência doméstica. Há ações voltadas a diversos públicos, entre eles, crianças, adolescentes, mulheres, alunos e professores. “O foco na prevenção é fundamental, mas só funciona se houver empenho do tribunal. Se forem tratadas como prioridade, as ações serão fortalecidas, receberão mais recursos humanos, e poderão ser ampliadas para chegar a um maior número de pessoas”, afirma Madgéli Machado.
CNJ enfrenta violência
Sensibilizar os magistrados para o imenso desafio de se enfrentar a violência doméstica no país tem sido um dos objetivos do CNJ, órgão responsável por estabelecer políticas judiciárias nacionais. A capacitação dos juízes é um dos instrumentos para que seja possível avançar no atendimento da sociedade, pelos agentes do Estado.
Além da capacitação de magistrados, outros dois pilares para o aprimoramento da Justiça, é a efetividade das medidas protetivas de urgência e o atendimento psicossocial de homens, mulheres e criança envolvidos em situação de violência.
Entre as ações institucionais concretas do CNJ, destaca-se o programa Semana Justiça pela Paz em Casa, promovido desde 2015, em parceria com os Tribunais de Justiça, com o objetivo de ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), ao agilizar o andamento dos processos relacionados à violência de gênero e promover a visibilidade do tema.
Fonte: Agência CNJ de Notícias

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