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domingo, 24/11/2024

Previstas na Lei Anticorrupção, suspensões de contratos com órgãos públicos, impedimento para novos, associados à aplicação de multas, passaram a ser intensificados com as delações premiadas

O advogado diz que empresários com atividade voltada à administração pública acabam obrigados a encerrarem suas atividades ou alterá-las
Dauto Passare - 2° Secretário - Direitoria IAMAT
Dauto Passare – 2° Secretário – Direitoria IAMAT
Antonielle Costa
Dauto Passare, em entrevista concedida à presidente da Comissão de Comunicação do IAMAT, no site Ponto na Curva, falou sobre a aplicação da Lei Anticorrupção e seus efeitos no que tange a colaboração premiada. Além das consequências fiscais e administrativas que acompanham os acordos tanto de leniência quanto de colaboração.
“Algumas das várias críticas às colaborações premiadas são relacionadas aos valores transacionados de ressarcimento pecuniário ao erário. Os valores fixados são fruto de uma análise concreta dos danos sofridos pela sociedade e exigidos com o rigor devido do Ministério Público, à luz da lei. Se feita uma análise com mais vagar veremos que a crítica pode ser prematura, pois os valores transacionados de ressarcimento, por mais das vezes, estão longe de representar a real repercussão econômica da delação aos cofres públicos. Ignora-se os reflexos fiscais e regulatórios”, afirmou o advogado e professor Dauto Passare.
Ele esclareceu sobre as consequências das colaborações premiadas para as empresas e seus sócios e vaticinou que alguns colaboradores e suas empresas jamais conseguirão quitar os débitos fiscais e administrativos.
Veja na íntegra a entrevista:
Ponto na Curva: A Lei Anticorrupção surgiu com a expectativa de ser um importante instrumento de controle e inibição de atos de corrupção perante a administração pública. Como o senhor observa a aplicabilidade atual da lei?
Dauto Passare: A Lei Anticorrupção, Lei 12.846/2013, vigente desde 29 de janeiro de 2014, aguardou um razoável período de regulamentação. Especificamente em Mato Grosso, foi regulamentada somente em 2016, através do Decreto Estadual nº 522/2016, que para tanto recebeu a contribuição da sociedade organizada, inclusive com a participação da OAB/MT. A lei trouxe avanços para organização empresarial voltadas a anticorrupção, obrigando empresas a implementar políticas de compliance e a adotar práticas de due diligence. Infelizmente, alguns receios antevistos desde a publicação da lei se concretizaram, um deles está na aplicabilidade dos acordos de leniência. A impressão que temos hoje é que esse importante instrumento legal anticorrupção ainda está em evolução, deixando de ser aplicado como esperado.
Ponto na Curva: O senhor entende que a lei poderia contribuir mais para o combate à corrupção?
Dauto Passare: Acredito que precisamos disso. O ideal é que tivéssemos uma legislação que conseguisse aliar o combate a corrupção e as atividades empresariais regulares. A legislação atual torna isso praticamente impossível na prática. Precisamos evoluir na legislação, combater a corrupção, punir empresas e agentes, sem inviabilizar as atividades empresariais, garantindo a atividade econômica, empregos e tributos. Isso não é uma missão fácil. Infelizmente, hoje, o combate a corrupção, notadamente quando atinge as empresas acabam gerando sua quebra.
Ponto na Curva: Qual o problema que o senhor credita na legislação atual?
Dauto Passare: Os acordos de leniência são um claro exemplo da mitigada eficiência da lei anticorrupção. Basta verificar os poucos acordos que foram firmados após a vigência da lei. É difícil você conceber a ideia de um texto legal que pretenda estimular uma pessoa jurídica a confessar sua participação na conduta ilícita, cooperar de forma plena e permanente com as investigações, fornecendo documentos e informações e ignorar o fato que a decisão para tal colaboração passe por seus sócios, diretores e executivos, que poderão ser implicados pessoalmente por atos ilícitos, criminalmente, inclusive. Ou seja, a lei pensa em criar um benefício à pessoa jurídica que coopera, mas não se preocupa em criar o benefício ou proteção legal ao sócio, ao diretor que tomará a decisão se a pessoa jurídica cooperará ou não. Esse talvez seja a base do que poderia ser melhorado, para então enfrentarmos outras específicas necessidades.
Ponto na Curva: Quais outras necessidades o senhor observa?
Dauto Passare: Uma legislação que pretende incentivar uma colaboração voluntária, possibilitar que agentes corruptores reconheçam seus atos, precisa, ao menos, proporcionar uma segurança jurídica. Necessário que a colaboração seja também irrestrita no âmbito da negociação, naquilo em que economicamente afetará à empresa. Nossa atual legislação cria um mecanismo de cunho administrativo e civil, mas com natureza aparentemente penal, que, ainda, afeta diretamente as esferas jurídicas empresarial, societária e tributária dos indivíduos. Hoje, o empresário celebra um acordo de leniência, mas não possui uma garantia que sofrerá uma ação penal. O mesmo empresário que celebra uma colaboração premiada no âmbito penal, essa em prática se limitará a um acordo na esfera criminal. Afirmo isso porque o empresário, sua empresa, poderá sofrer uma ação de improbidade administrativa, está sujeito a sofrer ações e penalidades por infrações ligadas as regras de proteção à concorrência, atuações dos Tribunais de Contas, multas e impostos estaduais e federais, entre outras sanções. Nada disso acaba sendo plenamente negociado. Isso gera uma enorme insegurança jurídica. Penso que o próprio combate a corrupção poderia ser mais eficaz se a lei garantisse um amplo acordo, definindo claramente as responsabilidades e consequências econômicas dos atos.
Ponto na Curva: O senhor então defende uma flexibilização nos acordos de leniência?
Dauto Passare: Defendo maior abrangência e eficácia legal. Não estou aqui a defender a ideia de uma flexibilização sobre os aspectos reparatórios da lei. O acordo de leniência deve, tal como hoje o faz, estabelecer um pacto onde não afasta o dever de reparação integral do dano causado. Mas, as questões de ordem econômica da empresa, os reflexos sobre a atividade empresarial devem ser pensados. Da mesma forma as questões de ordem pessoal dos diretores, executivos, gestores das empresas que se envolveram nos atos de corrupção. Esses indivíduos é que acabam sendo os responsáveis em decidir se a empresa irá ou não celebrar o acordo de leniência, confessar os atos ilícitos, colaborar reconhecendo atos de corrupção que se envolveram. Por temerem sofrer pessoalmente uma responsabilização deixam de fazê-lo. Isso é importante e deve ser pensado. Atualmente os acordos de leniência acabam sendo mais decorrentes das colaborações premiadas no âmbito penal, celebradas por empresas e seus executivos, do que propriamente por um ato de iniciativa da lei anticorrupção. Isso é uma demonstração da preocupação do sócio, diretor, executivo em pensar na sua segurança jurídica pessoal, em detrimento da própria empresa que representa. Acredito que o acordo de leniência tornará mais efetivo quando o mesmo estender benefícios legais e proteção àquelas pessoas físicas que podem ser responsabilizadas pelos atos de corrupção realizados através da empresa.
Ponto na Curva: Analisando a extensão das consequências jurídicas do acordo de leniência ou uma própria colaboração premiada não acaba sendo questionável a viabilidade de tais institutos para o imputado?
Dauto Passare: Essa é uma análise que somente cabe ao imputado, orientado por sua defesa técnica. Não há como deixar de reconhecer que a empresa investigada que realmente tenha praticado um ato de corrupção ou a um indivíduo que tenha incorrido em crime, possa ter no acordo de leniência ou na colaboração premiada um direito de defesa. Vejo ambos os institutos como um direito de defesa, como tal, um direito subjetivo ao imputado. Não seria legítimo discutir o exercício ou não de um direito subjetivo de alguém. O que creio ser mais produtivo discutir é a maior clareza das consequências dos institutos, como pleno instrumento de transação entre o indivíduo e o estado. Vejo isso como algo positivo para o fortalecimento dos próprios institutos. Como já defendi, vejo como salutar uma transação delimitar as responsabilidades e extensões sobre o acordo que se celebra. Soa-se como equidade mínima definir e delimitar as responsabilidades do imputado em todas as esferas legais.
Ponto na Curva: Quais principais repercussões econômicas os acordos de leniência e delações premiadas podem causar nas empresas?
Dauto Passare: Creio que a primeira seria a própria credibilidade das empresas, um ativo difícil de construir e irreparável plenamente. Contudo, na grande maioria dos casos, as principais consequências envolvem a atividade econômica, financeira, fiscal, ativos patrimoniais como um todo. As transações (delação premiada ou acordos de leniência) não impedem que outros órgãos investigativos e sancionadores ajam. Pelo contrário, a confissão dos ilícitos auxilia nas atuações e elas certamente acontecessem. Algumas das várias críticas que vejo às colaborações premiadas são relacionadas aos valores transacionados de ressarcimento pecuniário ao erário. Os valores fixados são fruto de uma análise concreta dos danos sofridos pela sociedade e exigidos com o rigor devido do Ministério Público, à luz da lei. Se feita uma análise com mais vagar, veremos que crítica pode ser prematura, pois os valores transacionados a título de reparação, por mais das vezes, estão longe de representar a real repercussão econômica da delação aos cofres públicos. Os reflexos fiscais e regulatórios são bem maiores.
Ponto na Curva: É possível concluir que as próprias atividades das empresas envolvidas podem ser inviabilizadas?
Dauto Passare: Isso dependerá de cada situação em sua especificidade. Mas, não se pode ignorar que as consequências decorrentes de um acordo de leniência ou de delação premiada podem inviabilizar as atividades empresariais, atingindo patrimônio obtido de forma lícita, pois as consequências econômicas são severas. Somente no âmbito fiscal, um grande passivo pode ser gerado aos imputados e suas empresas, por mais das vezes superiores ao patrimônio existente, tornando-se impossível de se pagar. Uma empresa que desenvolva suas atividades voltadas à prestação de serviços ou de venda de produtos ao Poder Público certamente terá seus contratos rescindidos e ficará impedida de realizar novos contratos com a administração pública. A Lei Anticorrupção, a par da já exposta suspensão cautelar de contratos firmados com a administração pública, impede que empresas que tenham se envolvido em atos de corrupção possam voltar contratar com a administração pública, obter financiamentos em bancos públicos, além da aplicação de multas elevadíssimas. Ademais, as suspensões cautelares de contratos com órgãos públicos, impedimento para novos contratos, associado à aplicação e multas altíssimas, tudo está previsto na Lei Anticorrupção, que passaram a ser intensificadas pelas recentes colaborações premiadas.
Ponto na Curva: Os colaboradores se veem motivados a celebrar acordos de delação para obterem um benefício no âmbito penal, como redução de pena e até mesmo obter a liberdade. Como o senhor enxerga o instituto da colaboração e sua aplicação nos dias atuais?
Dauto Passare: A colaboração premiada é instituto jurídico inserido de forma irreversível no direito brasileiro. Não há como negar que a colaboração premiada é uma forma encontrada pelo estado de corrigir sua ineficiência e dificuldade na produção da prova processual para a punição do imputado. Nisso há uma semelhança com a Lei Anticorrupção, ambas são uma tradução da dificuldade originária do Estado em fiscalizar, coibir e punir os atos ilícitos perpetrados pelos agentes. Creio que agora, observando que a colaboração premiada é uma realidade jurídica consolidada, devamos discutir melhor sua aplicação, tal qual se faz necessário com a Lei Anticorrupção, enfrentando um problema jurídico muito sério que está em conseguir que tais instrumentos legais sejam aplicados respeitando às garantias constitucionais do indivíduo e as atividades econômicas das empresas.
Ponto na Curva: O senhor poderia citar alguma situação que poderia levar a repercussões econômicas que não pactuadas no acordo de leniência ou na delação premiada?
Dauto Passare: Nas hipóteses em que crimes de sonegação fiscal ou de evasão de divisas são reconhecidos nas colaborações. Embora se pactue sobre a responsabilidade penal do imputado, isso de forma específica na delação premiada, o fato não exclui a sua análise pela Receita Federal e o Banco Central. Mesmo que haja a restituição ao erário pelo ato de corrupção, seja isso objeto do acordo de leniência ou da delação premiada, por mais das vezes esses fatos confessados geram severas autuações sobre empresas e seus sócios. Multas e tributos então são lançados. Temos as ações de improbidade para a reparação ao erário. A empresa está sujeita a fiscalizações e julgamentos perante os Tribunais de Contas, especificamente nos contratos ou desvio de verbas públicas. Autuações do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, por eventuais infrações quanto as regras de concorrência. Outra consequência, com caráter imediato, é a da suspensão cautelar de contratos vigentes havidos entre a empresa envolvida em ato de corrupção e o ente público. Esse ato deve ser tomado pelo gestor público como providência cautelar, conforme previsão legal disposta no § 2º, do art. 10 da Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção) e art. 13 do Decreto Estadual nº 522/2016. Outro exemplo são as atividades financeiras e no mercado de capitais com movimentações irregulares, operações em tais áreas que podem gerar a autuações pelo BACEN e CVM, por exemplo. Basta observar a operação lava jato que somente em multas e impostos autuou empresas e sócios em valores superiores a um bilhão de reais.
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