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terça-feira, 19/03/2024

A transação tributária brasileira comparada com a americana, sem “complexo de vira lata”

Não queremos aqui externar o “complexo de vira-lata”, mas sim adequar a legislação tributária ao conteúdo da qual fora compilada
Por Pedro Paulo Peixoto da Silva Junior e Deivison Roosevelt do Couto
A expressão acima fora criada pelo dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, qual seja: “Complexo de vira-lata”. Naquela oportunidade se referia ao trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a seleção brasileira foi derrotada pela seleção uruguaia de futebol na final da Copa do mundo em pleno maracanã. Para Rodrigues, o fenômeno não se limitava somente ao campo futebolístico, entendia que o “complexo de vira-lata” era a inferioridade em que o brasileiro se colocava, voluntariamente, em face do resto do mundo, dizia que o brasileiro era um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Não raro presenciamos brasileiros valorizando aquilo que é importado em detrimento ao que é nacional. Pergunta-se: ele estava certo? Não raro copiamos medidas adotadas por outros países para suprir nossas deficiências científicas, negocial, dentre outras. No campo da legislação, a conduta não foge a regra, o conteúdo do presente artigo busca identificar o comportamento do legislador e executivo quando o tema é transação tributária.
Em período de crise é natural que os gestores governamentais se mobilizem para oferecer oportunidades à sociedade com a intenção que a mesma se reequilibre, e, este reequilíbrio está condicionado ao apoio financeiro e até mesmo psicológico, este ligado ao apoio na saúde, educação, segurança e etc. Tais medidas atingem as pessoas físicas e de forma reflexa atingem as pessoas jurídicas.
No que se refere à preservação/proteção à empresa, o atual executivo federal não fugiu a regra e se apresentou com medidas preventivas para proteger o emprego fortalecendo as pessoas jurídicas quando postergou o recolhimento de tributos decorrentes da folha de pagamento e principalmente, àqueles ligados as empresas de pequeno porte e micro empresas, conduta esta que traz a sensação de justiça fiscal.
No dia 14 de abril de 2020, foi publicada a Lei 13.988/2020, fruto da conversão da Medida Provisória 899/2019, com a intenção de suprir a ausência de regulamentação, no âmbito federal, do disposto no art. 171 do Código Tributário Nacional, que cuida da transação tributária. O texto legal estabelece requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária. Prima facie, a união, em juízo de oportunidade e conveniência, sempre que, motivadamente, entender presente o interesse público, poderá celebrar transação nas seguintes modalidades: I) Por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja competência da Procuradoria-Geral da União; II) Por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e III) Por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.Na primeira opção, a transação poderá contemplar a concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, bem como o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições, ficando vedada a redução do montante principal do crédito e de mais de 50% dos valores transacionados, além da impossibilidade de concessão de prazo de quitação superior a 84 (oitenta e quatro) meses.
Já na transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, as reduções e concessões são limitadas ao desconto de 50% do crédito, com prazo máximo de quitação de 84 (oitenta e quatro) meses.  Referente à transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 (sessenta) salários mínimos, poderá contemplar os seguintes benefícios: i) concessão de descontos, observado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do valor total do crédito; ii) oferecimento de prazos e formas de pagamentos especiais, incluídos o diferimento e a moratória, obedecido o prazo máximo de quitação de 60 (sessenta) meses; iii) oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, obedecido o prazo máximo de quitação de 60 (sessenta) meses.
Como cediço, o art. 171 do Código Tributário Nacional, conceitua que a transação tributária é um acordo firmado entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária que, mediante concessões mútuas, põe fim ao litígio, extinguindo, consequentemente, o crédito tributário.
Na busca para entender o conceito do tema, buscou-se a definição do tema adotado por Hugo de Brito Machado: “Transação é acordo. Diz o Código Civil que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas (art. 840). É da essência da transação a existência de concessões mútuas. Cada interessado cede um pouco do que entende ser o seu direito, chegarem a um acordo, evitando o litígio, ou pondo fim a este, se já iniciado.”Nessa esteira, pergunta-se: “a proposta do governo concede a mútua concessão de forma plena ou trata-se exclusivamente de uma transação por adesão?” Para encontrar a resposta é importante identificar a intenção do legislador quando da edição e/ou propositura da lei, qual seja, a de 13.988/2020. Nesse contexto, compulsou-se a justificativa do projeto de lei e identificou-se similaridade da mesma com o instituto do “Offer in Compromise” (oferta em compromisso), praticado pelo Internal Revenue Service (IRS), dos Estados Unidos da América.
No texto legal americano encontramos as seguintes “Offer in Compromise” para propor transação com o fisco:
a) Doubt as to Liability (dúvida quanto à Responsabilidade) – o devedor pode mostrar motivos de dúvida de que a responsabilidade tributária tributada está correta. Pode questionar sobre a legalidade do PAT (ex. falta de recebimento de notificação e/ou até mesmo erro procedimental);
b) Doubt as to collectibility or DATC (administração tributária eficaz) – o devedor não contesta responsabilidade ou cobrança, mas pode demonstrar circunstâncias especiais ou atenuantes de que a cobrança da dívida “criaria uma dificuldade econômica ou seria injusta e desigual”. Deverá demonstrar sua impossibilidade de pagamento e o fisco avaliará se concede ou não.
c) Effective Tax Administration or ETA – este programa Oferta em Compromisso está disponível para qualquer contribuinte, mas é usado principalmente por indivíduos idosos, deficientes ou com circunstâncias especiais atenuantes.
Em leitura preambular da legislação americana, percebe-se que em algumas situações específicas, o contribuinte apresenta um “plano de viabilidade econômica” para quitação do passivo fiscal, plano esse que identifica qual é o limite de comprometimento da sua receita para cumprir o acordo sem deixar de manter sua atividade empresarial, preservação sua empresa (princípio da preservação da empresa) e no caso das pessoas físicas sem deixar de prover seu sustento, preservando assim a dignidade da pessoa humana.
Em análise preliminar, percebe-se certa similaridade entre a Lei 13.988/2020 e o Programa “Offer in Compromise”, contudo, a transação tributária brasileira assemelha-se a mais um programa de parcelamento, conforme se observa das disposições contidas nos arts. 10, 16 e 23 daquele diploma legal, apresentando-se como uma transação por adesão pois não há flexibilidade na negociação entre as partes, ou seja, o contribuinte tem o direito de aceitar o compromisso sem discutir suas possibilidades.
Trata-se de um avanço, mas ainda não resolve o problema do contencioso tributário brasileiro.
Ainda na intenção de oferecer a solução da pauta, a PGFN – Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, editou a portaria 14.402 e indica no seu art. 8 a seguinte tratativa negocial: “Art. 8º São passíveis de transação excepcional na cobrança da dívida ativa da União os créditos administrados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mesmo em fase de execução ajuizada ou objeto de parcelamento anterior rescindido, com exigibilidade suspensa ou não, cujo valor atualizado a ser objeto da negociação for igual ou inferior a R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).” Os artigos subsequentes apontam condições atrativas mas sem a devida análise da real condição financeira do contribuinte para que o mesmo cumpra o compromisso assumido.
Ainda em análise prefacial, percebeu-se que os grandes contribuintes, leia-se: grandes devedores do fisco, não foram contemplados com as medidas mais flexíveis e com essa “desculpa” manterão inadimplentes com as suas obrigações tributárias e os cofres públicos manterão carentes da sua contribuição.
O conteúdo nos impõe o chamamento ao princípio constitucional da “capacidade contributiva”, o qual inspira-se na ordem natural das coisas: onde não  houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando-se evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. Tal conceito fora formado por Luciano Amaro na sua obra: Direito tributário brasileiro. 10a ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 137.
Ora, se o crédito tributário suplanta (e muito) o patrimônio do contribuinte, será que vale a pena insistir numa cobrança que se revelará contraproducente?
Talvez seja interessante aproximar a Lei 13.988/2020 mais do Programa “Offer in Compromise”, que permite, insista-se, o contribuinte americano oferecer um valor menor para liquidar o crédito tributário.
Não se está aqui, frise-se, propondo um salvo conduto geral, mas apenas aproximando a transação tributária da capacidade contributiva e implantando uma ideia de efetiva administração tributária, sobretudo porque a Lei 13.988/2020 já prevê alguns mecanismos que espanta os espertalhões, como a vedação do acordo com devedor contumaz, além da necessidade de observância das condições estabelecidas no art. 3º daquele diploma legal, v. g., a impossibilidade de utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, de falsear ou de prejudicar, de qualquer forma, a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica.
É necessário que avancemos um pouco mais nas discussões para que o modelo de transação tributária ideal diminua o litígio e melhore a arrecadação, sem esquecer, sobretudo, sem embargo da repetição, do princípio da capacidade contributiva. Não queremos aqui externar o “complexo de vira-lata”, mas sim adequar a legislação tributária ao conteúdo da qual fora compilada. I want to pay taxes and receive from the King State in the same way that Americans receive.

PEDRO PAULO PEIXOTO DA SILVA JUNIOR é Advogado, Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito, Doutorando em Ciências Sociais e Jurídicas pela UMSA, Professor Universitário e de Cursinhos preparatórios da Disciplina de Direito Tributário, Secretário Geral e Presidente da Comissão de Estudos Tributários do IAMAT – Instituto dos Advogados de Mato Grosso, Sócio do escritório Peixoto e Cintra Advogados Associados. 
DEIVISON ROOSEVELT DO COUTO é Advogado,Especialista em Direito Tributário e Direito Processual CivilMembro suplente no Conselho de Recursos Fiscais do Município de CuiabáSócio do escritório Prado, Scarinci & Advogados Associados S/S
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