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sábado, 20/04/2024

ASPECTOS PRÁTICOS DA LEI ANTICORRUPÇÃO

POR Mariana Cristina Ribeiro dos Santos

O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas realizada pela ONU, sendo que, dali, ficou-se acordado entre os participantes que todos deveriam implantar medidas eficazes para o combate à corrupção, com validade tanto em seu próprio território quanto em terras estrangeiras.

Para dar cumprimento ao acordo celebrado, o Brasil editou a Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013, chamada de Lei Anticorrupção. O dispositivo dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Importante ressaltar que a responsabilização trazida pela Lei Anticorrupção está adstrita apenas às pessoas jurídicas, e assim as pessoas físicas não se sujeitam aos ditames da referida lei. As pessoas físicas responsáveis pelas pessoas jurídicas estariam sujeitas à outras leis, como, por exemplo, o código penal.

O objetivo da Lei Anticorrupção é responsabilizar as pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a administração pública, que traga, de alguma forma, prejuízos aos cofres públicos. Uma característica da Lei é a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, ou seja, haverá responsabilização pela prática do ato ilícito independentemente de dolo ou culpa. Nesse sentido, filio-me ao entendimento de que deve ser observado o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o ilícito apurado.

Com relação aos atos lesivos trazidos pela referida lei, podemos citar: fraudes em licitações e contratos; utilização de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional, dentre outras.

No caso da responsabilização, a mesma pode ocorrer tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Administrativamente, a sanção poderá ocorrer com a aplicação de multa, cujo cálculo pode variar de 0,1 a 20% do faturamento bruto da empresa do ano anterior ao ano de instauração do processo administrativo e publicação extraordinária da decisão condenatória, as quais serão aplicadas após a finalização do Processo Administrativo de Responsabilização ou do Acordo de Leniência.

Com relação à multa aplicada à pessoa jurídica condenada, esta não se confunde com a reparação integral do dano causado à Administração Pública, caso o dano tenha sido constatado. Segundo a Lei Anticorrupção, a reparação do dano deverá ocorrer independentemente da aplicação de multa.

No que se refere à instrumentalização do processo de responsabilização, este tem início com uma investigação preliminar. Tal investigação não tem caráter punitivo, e será conduzida pela autoridade competente que, tomando ciência da suposta prática de atos lesivos, terá competência tanto para instaurar a respectiva investigação preliminar como também o Processo Administrativo de Responsabilização, também conhecido por PAR.

A responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, não afasta a possibilidade de sua responsabilização judicial, a qual poderá ser ajuizada pelos órgãos competentes, como Ministério Público e respectivas Advocacias Públicas.

Caso sejam judicialmente condenadas, as pessoas jurídicas poderão sofrer sanções como: perda de bens e valores que tenham sido auferidos com a prática ilícita; proibição de receber incentivo, subsídio ou empréstimos públicos por um período de 1 a 5 anos; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica que, em outras palavras, significaria o fim da pessoa jurídica, sendo que essas sanções judiciais podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente.

Com relação à responsabilização de pessoas jurídicas por atos de improbidade, é importante dizer que tanto a Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção, quanto a Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa, preveem sanções às pessoas jurídicas por atos de improbidade, e a condenação com base em uma dessas Leis não exclui a possibilidade de condenação também na outra, apesar da responsabilidade do agente na Lei nº 8.429/1992 ser subjetiva, enquanto na Lei nº 12.846/2013 ser objetiva.

Porém, como as sanções aplicadas em ambas as leis guardam bastante similaridade em alguns aspectos, é imprescindível uma análise criteriosa acerca da aplicação correta e justa da tipificação, pois, como dito acima, a condenação em uma não exclui a possibilidade de condenação na outra. Nesse sentido, há que se evitar o bis in idem, para que não se puna o agente duas vezes pelo mesmo fato.

Portanto, em se tratando de medidas idênticas, a aplicação da Lei Anticorrupção é medida mais acertada, tendo em vista o Princípio da Especialidade, que é a aplicação de lei especial para os casos em que haja regras diferentes para o mesmo fato.  

Outrossim, é possível concluir que a Lei Anticorrupção traz instrumentos mais efetivos de combate à corrupção, como a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, possibilidade de celebração de acordos de leniência, além da referida lei estar alinhada às práticas internacionais de combate à corrupção, a exemplo da Convenção das Nações Unidas, como dito acima.

No que tange ao combate à corrupção, podemos citar diversos regramentos possíveis de combate à corrupção, como a Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Regimes Diferenciados de Contratação, a própria lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013, e o próprio código penal, que tem inserido um capítulo específico “Dos crimes em licitações e contratos administrativos”, inserido pela Nova Lei de Licitações, nº 14.133/2021.

O que se conclui é que a lei Anticorrupção foi um instrumento legal aprimorado com relação ao combate à corrupção, que trouxe mecanismos mais eficazes de responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública.

Contudo, a aplicação dos normativos existentes para o combate à corrupção devem ser utilizados de maneira justa e correta, sem extremar as medidas, evitando o uso de forma policialesca, o que poderá, ao final, não atingir o objetivo principal das referidas normas, mas sim ensejando um prejuízo à sociedade de forma geral.

Mariana Cristina Ribeiro dos Santos é Controladora Geral do Município de Cuiabá, Advogada, MBA em Compliance e Gestão de Riscos, especialista em Direito Empresarial, Negocial e Consumidor e é sócia da Intélis Consultoria em Compliance e Soluções.

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