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sábado, 20/04/2024

Primeira Advogada do Brasil

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Primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil

 

 

No antigo Palácio da Justiça conhecemos as histórias da Justiça fluminense não apenas pela suntuosidade de seus salões, seus belos vitrais e pinturas murais estampadas pelas paredes, mas também, por meio da memória das pessoas que por ali passaram. Entre elas, encontramos Myrthes Gomes de Campos, a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil e que, de 1924 até a sua aposentadoria, em 1944, exerceu o cargo de encarregada pela Jurisprudência do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, que funcionou no antigo Palácio, de 1926 até 1946. Além de funcionária da Justiça ela foi, também, a primeira mulher advogada a ingressar no antigo Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, atual Instituto dos Advogados do Brasil.

Myrthes nasceu em Macaé, Norte-Fluminense, em 1875 e, desde cedo, mostrou gosto pelo aprendizado das leis. Na época, porém, era impensável que uma mulher construísse uma possibilidade de existência fora do casamento. Sua família ficou escandalizada quando a jovem expressou o desejo de ir para a Capital, ingressar na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e seguir a carreira de advogada. Concluiu o bacharelado em Direito em 1898, mas, devido as fortes discriminações, apenas em 1906 conseguiu ingressar no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil, condição necessária para o exercício profissional da advocacia.

Em 1899, data da sua primeira tentativa de ingresso nesse Instituto, Myrthes foi orientada a candidatar-se como estagiária, já que os estatutos da casa destinavam vagas dessa categoria para os advogados formados há menos de dois anos. E, em 6 de julho de 1899, a Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência pronunciou-se a seu favor, considerando que: “[…] não se pode sustentar, contudo, que o casamento e a maternidade constituam a única aspiração da mulher ou que só os cuidados domésticos devem absorver-lhe toda atividade; […] Não é a lei, é a natureza, que a faz mãe de família; […] a liberdade de profissão é como a igualdade civil da qual promana, um princípio constitucional; […] nos termos do texto do art. 72, § 22 da Constituição o livre exercício de qualquer profissão deve ser entendido no sentido de não constituir nenhuma delas monopólio ou privilégio, e sim carreira livre, acessível a todos, e só dependente de condições necessárias ditadas no interesse da sociedade e por dignidade da própria profissão; […] não há lei que proíba a mulher de exercer a advocacia e que, importando essa proibição em uma causa de incapacidade, deve ser declarada por lei […].” (Revista IOAB, 6 jul. 1899).

No entanto, mesmo com esse parecer, apenas em 1906, esse Instituto aceitou-a de forma plena em seus quadros. Sua filiação foi aprovada em assembleia com 23 votos a favor e 15 contra. Nesse mesmo ano de 1899, Myrthes teve uma chance de atuação como defensora no Tribunal do Júri. Era a primeira vez que uma mulher entraria em um Tribunal de Justiça exercendo a profissão de advogada. O fato, totalmente inusitado para a época, foi amplamente noticiado nos jornais. Durante o julgamento, com a plateia lotada para assistir a atuação da primeira advogada brasileira, Myrthes surpreendeu o juiz, os jurados e até o réu com o seu profundo conhecimento do Código Penal e, sobretudo, pelo seu poder de argumentação. Ela venceu o promotor até então considerado imbatível e conseguiu a absolvição do réu.

Em seu discurso de abertura dos trabalhos de defesa, Myrthes tratou de reafirmar a importância histórica de sua atuação. “[…] Envidarei, portanto, todos os esforços, afim de não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. […] Cada vez que penetrarmos no templo da justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. […] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos.” (O País, Rio de Janeiro, p. 2, 30 set. 1899).

Sua presença no Tribunal era sempre um grande evento, reunindo curiosos e provocando o debate acalorado sobre a atuação da mulher na sociedade. O criminalista Evaristo de Moraes (1871-1939) referia-se a ela como “[…] pequenina e vivaz, dominando logo pela sua agudeza de espírito e a amenidade do trato” (MORAIS, 1983, p. 121).

Myrthes também se dedicou profundamente aos estudos jurídicos. Foi colunista efetiva do Jornal do Commercio, responsável pelo preparo das matérias judiciárias e assinou artigos em jornais e periódicos especializados, como a Revista do Conselho Nacional do Trabalho, a Folha do Dia e a Época, as duas últimas dirigidas pelo advogado Vicente Piragibe. Foi autora, também, de importantes obras no campo da jurisprudência, destacando-se os seguintes trabalhos: Justificação de uma emenda ao artigo 4 do projeto criando a Ordem dos Advogados (1914), O Direito ao aborto (resposta à questão formulada pelo dr.Leonídio Filho: É lícito provocar o aborto nas mulheres válidas na guerra?) (1915), Voto feminino e serviço militar (1929), O voto feminino e os fundamentos de uma sentença (1929), O voto feminino. A propósito da decisão da Junta de Recursos Eleitorais do Estado do Rio de Janeiro (1929), Voto Feminino e a jurisprudência (1930), A propósito da mulher jurada. Decisões divergentes (1930), Clovis Beviláqua e a emancipação jurídica da mulher (1932), Código Eleitoral, voto feminino e direito da família (1933) e Os advogados brasileiros e a advocacia feminina (1937).

Fontes:

GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal e FERREIRA, Tania Maria Tavares. Myrthes Gomes de Campos: pioneirismo na luta pelo exercício da advocacia e defesa da emancipação feminina. In: Revista do Instituto de Estudos de Gênero, v.9,n.2, p.135-151,1 sem. Niterói, RJ, 2009.

SHUMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital (org.). Dicionário das mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, RJ, 2000.

 

 

 

 

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