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quinta-feira, 25/04/2024

ASPECTOS PROCESSUAIS DA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS por Thiago Augusto Bittar

ASPECTOS PROCESSUAIS DA PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS

Thiago Augusto Bittar1

RESUMO
O processo/procedimento de prestação de contas eleitorais foi recentemente jurisdicionalizado
e evoca muitas diferenças em relação aos processos jurisdicionais comuns. Em razão de suas
peculiaridades, tais como inexistência de petição inicial, obrigatoriedade de profissional de
contabilidade etc., tal processo tem sido muito incompreendido pelos profissionais do Direito.
Nada obstante, remanescem algumas características muito próprias dos processos judiciais
contemporâneos, a exemplo da necessidade de constituição de advogado para postular em juízo,
exercício do contraditório e ampla defesa, possibilidade de interposição de recursos à Justiça
Eleitoral. Por fim, importa lembrar que o processo de prestação de contas eleitorais malfeito,
eventualmente será a porta de entrada para outras representações eleitorais (como a de abuso
de poder econômico e a de capitação e gastos ilícitos de campanha), fazendo com que o
candidato que negligenciou o referido expediente de contas, venha a ser severamente punido
com a cassação do registro ou a perda do mandato.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Jurisdicionalização 2. Processo diferenciado 3. Contraditório e
ampla defesa. 4. Representação eleitoral.
1 Jurisdicionalização da prestação de contas eleitorais:
Historicamente, o processo de prestação de contas eleitorais recebia a roupagem de
ser puramente administrativo. Entretanto, a Lei nº 12.034/09 jurisdicionalizou o processo de
prestação de contas eleitoral, o que lhe causou sensíveis e profundas mudanças.
Uma característica importante é que o procedimento de prestação de contas
circunscreve-se no âmbito da “jurisdição voluntária”, isto é, não há lide. Não existe, pois, autor
de um lado e réu do outro.
Justamente por isso, o candidato precisará contratar um advogado, visto que este é
o profissional dotado de uma legitimação especial denominada “capacidade postulatória”, ou
seja, de um poder processual que lhe permite levar os fatos e provas ao conhecimento e
apreciação do Poder Judiciário. O Código de Processo Civil, em seu art. 103, estabelece:

1Professor universitário e advogado militante na área de Direito Eleitoral, especializado no processo de prestação
de contas eleitorais. Pós-graduado em Direito do Estado, pela rede de ensino LFG, com ênfase no magistério
superior. E-mail: thiagoaugustobittar@hotmail.com
Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil.
No Brasil, a capacidade postulatória é majoritariamente ligada à ideia de
pressuposto processual de eficácia, o que significa dizer que todo ato processual praticado por
quem não possui tal aptidão para postular em juízo, será reputado por ineficaz (art. 104, §2º, do
CPC).
Exatamente por isso, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso já entendeu que
as contas eleitorais prestadas por quem não goza de capacidade postulatória (sem estar
representado por advogado) devem ser reputadas como não prestadas (ato plenamente ineficaz).
Veja-se:
ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO.
IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE ADVOGADO DEVIDAMENTE
CONSTITUÍDO. NÃO JUNTADA DO INSTRUMENTO DE MANDATO.
INTIMAÇÃO. NÃO MANIFESTAÇÃO. PRAZO “IN ALBIS”. CONTAS
JULGADAS COMO NÃO PRESTADAS. IMPEDIMENTO DE
OBTENÇÃO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL.
1. A candidata permaneceu omissa quanto à obrigatoriedade da apresentação
dos documentos requeridos na diligência para a regularização de suas contas
de campanha, o que conduz ao julgamento pela sua não prestação e,
consequentemente, o impedimento de obtenção de sua certidão de quitação
eleitoral.
2. Contas não prestadas.
(Prestação de Contas nº 108873, Acórdão nº 25331 de 25/02/2016, Relator(a)
LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Publicação: DEJE – Diário de Justiça
Eletrônico, Tomo 2093, Data 04/03/2016, Página 5).
Portanto, tão importante como contratar um profissional de contabilidade, que vai
elaborar a prestação de contas eleitoral, é contratar um advogado, atribuindo-lhe poderes, por
procuração (admite-se o instrumento particular), a fim de propiciar seu regular processamento
em juízo (defesas, recursos, sustentações orais etc.).
Assim, já na alimentação do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), diz
a Res. TSE nº 23.607, em seu art. 53, II, “f”, que o contador deve instruir a prestação de contas
com uma lista de documentos essenciais, entre os quais está o instrumento de mandato para
constituição do advogado, ou seja, a procuração.
2 Finalidade do processo de prestação de contas
Existem pelo menos duas finalidades no processo de prestação de contas eleitorais.
São elas:
 Finalidade imediata: demonstrar a regularidade de captação de recursos e
gastos eleitorais, especialmente porque, no Brasil, o sistema eleitoral
caminhou para o financiamento majoritariamente público. Princípio da
Indisponibilidade do recurso público.
 Finalidade mediata: demonstrar o regular transcurso das eleições, sem
interferência de abuso do poder econômico, captação ilícita de sufrágio,
caixa 2 etc.
Eis a razão mais importante pela qual o Ministério Público deve manifestar-se nos
processos de prestação de contas, quase sempre no papel de custos legis, isto é, fiscal da Lei
(nesse cenário o Parquet não é parte, mas escrutinador da regularidade e cumprimento das
normas de regência eleitorais).
Mas não é só. O legislador permitiu o acesso do Ministério Público ao processo de
prestação de contas, com o objetivo de garantir-lhe a análise de irregularidades que possam
provocar outras representações eleitorais, tais como aquelas previstas no art. 22 da Lei
Complementar nº 64/90 (vide item 4).
3 Processo de prestação de contas
3.1 Início e desenvolvimento do processo de prestação de contas
O processo (ou procedimento, como queira) de prestação de contas possui algumas
peculiaridades bastante interessantes, que o tornam único no extenso rol de processos e
procedimentos jurisdicionais.
Em primeiro lugar, não existe propriamente uma petição inicial, nos moldes do art.
319 do CPC, isso porque o procedimento de prestação de contas eleitorais encontra sua gênese
na alimentação do sistema eletrônico denominado Sistema de Prestação de Contas Eleitorais –
SPCE.
Noutras palavras, o trabalho realizado pelo contador, no SPCE, será o lastro de todo
processo judicial, a começar pelos relatórios financeiros, passando pela juntada de documentos
em PDF (OCR) e, em especial, desaguando nas prestações de contas parcial e final.
Afinal, o trabalho contábil será recepcionado eletronicamente no SPCE, mas
transmudado em processo judicial. Confira-se o que diz a Res. TSE nº 23.607/19:
Art. 55. Recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as informações de que
trata o inciso I do caput do art. 53 desta Resolução, o SPCE emitirá o extrato
da prestação de contas, certificando a entrega eletrônica.
§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do art. 53 desta Resolução
devem ser apresentados aos tribunais eleitorais e a zonas eleitorais
competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE,
observado o disposto no art. 100, até o prazo fixado no art. 49.
[…]
§ 5º Os documentos digitalizados e entregues exclusivamente em mídia
eletrônica serão incluídos automaticamente no Processo Judicial Eletrônico
(PJe), após o que os autos digitais serão encaminhados à unidade ou ao
responsável por sua análise técnica para que seja desde logo iniciada.
Assim, há uma integração automática entre os sistemas de Prestação de Contas
Eleitorais – SPCE e Processo Judicial Eletrônico – PJe, de modo que a prestação de contas
entregue via SPCE será vinculada ao PJe, recebendo uma numeração serial própria de processo
judicial.
Portanto, há clara relação de continuidade entre o trabalho de contabilidade (feito
via SPCE) e o trabalho jurídico (feito via PJe), motivo por que é absolutamente impensável que
os profissionais trabalhem em polos distantes e sem constante diálogo, visto que o trabalho de
um necessariamente repercutirá no trabalho do outro.
Note que os autos judiciais serão distribuídos, por sorteio, aos órgãos competentes
para julgamento das prestações de contas (juízo natural). As regras de competência para
processamento e julgamento das prestações de contas são as seguintes:
 Tribunal Superior Eleitoral – julgará as contas apresentadas pelos
candidatos a Presidente e Vice-Presidente da República;
 Tribunais Regionais Eleitorais – julgarão as contas apresentadas pelos
candidatos a senador, deputado federal, governador e vice-governador e
deputado estadual/distrital, de sua respectiva circunscrição eleitoral;
 Juízos Eleitorais (1º grau) – julgarão as contas apresentadas pelos
candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito.
Feita a integração sistêmica, um relatório com as principais informações da
prestação de contas será divulgado ao público em geral no sítio eletrônico do TSE, bem como
será publicado um edital para que, qualquer partido político, candidato, coligação, Ministério
Público, bem como qualquer outro interessado possam impugná-las no prazo de 3 (três) dias.
Havendo impugnação à prestação de contas, esta será apensada aos próprios autos
da prestação de contas, e o cartório eleitoral ou a Secretaria do Tribunal notificará
imediatamente o candidato para manifestação no prazo de 3 (três) dias.
Apresentada, ou não, a manifestação do impugnado, transcorrido o prazo de 3 (três)
dias, o cartório eleitoral ou a Secretaria do Tribunal cientificará o Ministério Público da
impugnação, caso o órgão não seja o impugnante.
Se o Ministério Público for o impugnante, figurará como parte no processo, por sua
legitimação extraordinária, de modo que, nessa hipótese, haverá a instauração de lide.
Acaso não haja impugnação, o setor técnico da Justiça Eleitoral (cartórios e
secretaria), elaborará um relatório denominado “relatório preliminar de prestação de contas”,
no qual poderá requisitar informações e documentos complementares do prestador de contas,
bem como determinar diligências específicas para saneamento de supostas irregularidades.
O prestador de contas será intimado a cumprir as diligências no prazo de 3 dias
(corridos) , a contar da intimação.
Com ou sem a resposta do prestador de contas, os autos serão remetidos novamente
para o setor técnico, para que reanalise os autos e elabore o denominado “relatório conclusivo
de prestação de contas”.
Caso não tenha havido impugnação do Ministério Público sua atuação será apenas
na qualidade de fiscal da Lei (custos legis), ou seja, será chamado a verificar a correta aplicação
das normas eleitorais ao caso concreto, cujo parecer deverá ser emitido no prazo de 2 dias (art.
73, da Res. TSE nº 23.607/19).
3.2 Da retificação do processo de prestação de contas
O prestador de contas somente poderá retificar os documentos já entregues à Justiça
Eleitoral, via SPCE, nos seguintes casos (art. 71, Res. TSE nº 23.607/19):
 No cumprimento de diligência, cuja resposta provoque alteração dos
documentos inicialmente apresentados;
 Espontaneamente, no caso de verificação de erro material, antes do
pronunciamento técnico.
Importante ressaltar que as retificações feitas em outras circunstâncias serão
reputadas por inválidas.
Conforme entrevisto, a retificação deverá ocorrer do mesmo modo que o envio da
prestação de contas, isto é, via SPCE (paralelismo de formas), sob pena de ser considerada
inválida, podendo, até mesmo ser desentranhada dos autos do PJE (art. 71, §3º do Res. TSE nº
23.607/19).
Outro aspecto processual importante é a ocorrência de preclusão temporal da
retificadora, entendendo-se como tal, a perda da oportunidade de praticar um ato processual por
quem detinha esse direito.
Isso porque a legislação determina que a prestação de contas parcial só admite
retificação até a data de entrega da prestação de contas final. Uma vez ultrapassado esse marco,
só será admitida a retificação de prestação de contas final.
E mais. Toda retificadora exige manifestação apontando as justificativas que lhe
motivaram, devendo ser feita por petição dirigida ao juiz ou ao relator designado para o
julgamento do processo.
Acresça-se que o Ministério Público receberá cópia das prestações de contas
retificadoras.
O prestador de contas tem o direito de manifestar-se acerca de toda e qualquer
irregularidade apontada em sua prestação de contas, tendo o prazo de 3 (três) dias para
justificar-se e apresentar documentos.
3.3 Provimentos jurisdicionais cabíveis no processo de prestação de contas
eleitorais
São possíveis as seguintes decisões (sentenças e acórdãos) em processos de
prestação de contas eleitorais:
 aprovação, quando estiverem regulares;
 aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes
comprometam a regularidade;
 desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua
regularidade;
 não prestação de contas eleitorais.
A legislação esclarece que, mesmo no caso de aprovação de contas com ressalvas,
nada impede a determinação de devolução de recursos públicos aos cofres do Tesouro Nacional
ou do Partido respectivo, nos casos de irregularidades que não sejam bastantes à reprovação,
mas que exijam sua restituição, por ordem judicial, a quem de direito, no prazo de 5 (cinco)
dias do trânsito em julgado do processo (art. 79 e §§, da Res. 23.607/19).
Mister esclarecer que a decisão (sentença ou acórdão) que reconhece as contas
eleitorais como não prestadas pode ser proferida nas seguintes hipóteses:
a) omissão do candidato, que, a despeito de ser citado para prestar suas contas
eleitorais, mantém-se inerte;
b) prestação de contas apresentadas sem os documentos e informações
mínimos exigidos pela legislação para análise das contas (art. 53, Res.
23.607/19) – prestação de contas fajutas;
c) prestador que não atender às diligências determinadas para suprir a
ausência que impeça a análise da movimentação declarada na prestação de
contas;
d) quando não houver constituição de advogado para oficiar nos autos.
Sobre a apresentação de documentos incapazes de garantir a análise das contas
(item b), confira-se o seguinte julgado do TRE-DF:
PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. CANDIDATO. AUSÊNCIA
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAIS E FINAIS. CONTAS
JULGADAS NÃO PRESTADAS.
1. Diante da ausência de apresentação dos documentos essenciais para a
análise e comprovação da arrecadação de recursos financeiros e dos gastos
efetivados durante a campanha eleitoral do pleito de 2018, a medida cabível é
o julgamento pela não prestação das contas.
2. Contas julgadas não prestadas.
(PRESTAÇÃO DE CONTAS n 060311112, ACÓRDÃO n 8276 de
05/02/2020, Relator DANIEL PAES RIBEIRO, Publicação: DJE – Diário de
Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 25, Data 11/02/2020, Página 6)
Ademais, se as contas forem julgadas como não prestadas, o candidato não obterá
a certidão de quitação eleitoral até o fim da legislatura (quatro anos contados do ano seguinte à
eleição), persistindo tal impossibilidade, após a legislatura, até que o candidato apresente a
prestação de contas , procedimento denominado de regularização.
No Tribunal Eleitoral, as contas poderão ser julgadas monocraticamente pelo
Relator, apenas no caso de eleições gerais, quando preenchidos os seguintes requisitos (art. 74,
§1º):
a) manifestação técnica pela aprovação das contas;
b) parecer do Ministério Público pela aprovação das contas.
Lembre-se que essa hipótese não se aplica às eleições municipais, justamente
porque o julgamento se dará pelo juiz de primeiro grau, não havendo se falar, portanto, nessa
hipótese, em julgamento colegiado.
Nos demais casos de julgamento pelo Tribunal Eleitoral, o processo de prestação
de contas será afetado ao Tribunal Pleno, para prolação de acórdão pelo órgão colegiado.
3.4 Formas de publicação das decisões em prestação de contas
A decisão proferida em processo de prestação de contas será publicada do seguinte
modo (art. 78 da Res. 23.607/19):
a) Candidatos eleitos:
 Acórdão proferido por tribunal eleitoral (TRE ou TSE) => publicação em
sessão;
 Decisão monocrática do relator => mural eletrônico;
 Decisão de juiz de primeiro grau => mural eletrônico.
b) Candidatos não eleitos:
 Decisão, de qualquer órgão prolator, publicada no Diário da Justiça
Eletrônico da Justiça Eleitoral (DJE).
3.5 Recursos em prestação de contas
Como dito anteriormente, uma vez jurisdicionalizada a prestação de contas,
sobrevieram a reboque diversos princípios processuais constitucionais, tais como o princípio
do duplo grau de jurisdição.
Desse modo, as decisões que julgarem as contas eleitorais poderão ser desafiadas
por recurso eleitoral, no caso de irresignação jurídica do candidato (interesse recursal), o que
inclui a discordância da aprovação de contas com ressalvas.
Desse modo, o recurso eleitoral será cabível:
a) Candidatos não eleitos:
 Da decisão do juiz eleitoral – recurso ao TRE, no prazo de 3 (três) dias, contados
da publicação oficial (DJE);
 Da decisão do TRE – recurso ao TSE, no prazo de 3 (três) dias, contados da
publicação oficial (DJE), nos casos dos incisos I e II do § 4º do art. 121 da
Constituição Federal2
.
b) Candidatos eleitos:
 Da decisão do juiz eleitoral – recurso ao TRE, no prazo de 3 (três) dias, contados
da publicação em cartório.;
 Da decisão do TRE – recurso ao TSE, no prazo de 3 (três) dias, contados da
publicação em sessão do acórdão prolatado por tribunal eleitoral, nos casos dos
incisos I e II do § 4º do art. 121 da Constituição Federal.

2 Art. 121 (…)
§ 4º – Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:
I – forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei;
II – ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;
4 Desdobramentos processuais (representações) decorrentes de arrecadação e
gastos eleitorais
José Jairo Gomes3
, em sua excelente obra, estabelece que o processo de prestação
de contas está intimamente ligado ao princípio da transparência, considerando que o
financiamento eleitoral levado a efeito com abuso de poder, poderá desequilibrar o pleito.
Confira-se:
O controle realizado pela prestação de contas confere mais transparência e legitimidade às
eleições, além de prevenir o abuso de poder, notadamente o de caráter econômico. Muitas
vezes, o abuso de poder econômico é configurado a partir de divergências verificadas entre
os dados constantes da prestação de contas e a realidade da campanha.
No mesmo sentido, mas com mais ênfase, Jaime Barreiros Neto4
liga a regularidade
das contas eleitorais à lisura da própria eleição, senão veja-se:
Visando à preservação da lisura e da normalidade das eleições, partidos políticos,
coligações e candidatos deverão realizar a prestação de contas referentes à campanha
eleitoral, nos termos dos artigos 28 a 32 da Lei das Eleições.
Sem embargos
Nada obstante, mesmo num cenário de aprovação de contas eleitorais, é possível
que eventual irregularidade em arrecadação de gastos repercuta severamente na vida política
do candidato ou do eleito.
Assim, o arcabouço legislativo que trata do tema “prestação de contas eleitorais”
deixa bastante claro ao candidato/prestador de contas que o processo de prestação e contas,
ainda quando culmine com a aprovação das contas, não esgota o tema e tampouco impede o
manejo de outras vias processuais de investigação e apuração de responsabilidades decorrentes
da malversação de recursos públicos empregados em campanha.
E isso nada tem a ver com violação à eficácia preclusiva da coisa julgada, tendo em
vista que, como se verá nos dispositivos abaixo discriminados, existem órbitas distintas de

3 Direito eleitoral/José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.Pág. 670.
4 Direito eleitoral/ Jaime Barreiros Neto – 10. ed. rev., atual, e ampl. – Salvador: Juspodivm, 2020. Pág. 245.
responsabilidade (administrativa, cível, criminal etc.), razão por que não há se falar em bis in
idem.
Amiúde se percebe, em representações eleitorais decorrentes de captação e gastos
ilícitos em campanhas eleitorais, a invocação do argumento de que as contas do candidato foram
aprovadas pela Justiça Eleitoral, no sentido de que tal aprovação deveria espraiar efeitos para o
âmbito outros.
Sucede que, pela dicção normativa do art. 75, da Res. TSE nº 23.607/19, tal
argumento não encontra sustentação jurídica. Veja-se:
Art. 75. O julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não afasta
a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais
ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações
em andamento ou futuras.
Parágrafo único. A autoridade judicial responsável pela análise das contas, ao
verificar a presença de indícios de irregularidades que possam configurar
ilícitos, remeterá as respectivas informações e documentos aos órgãos
competentes para apuração de eventuais crimes (Lei nº 9.096/1995, art. 35;
e Código de Processo Penal, art. 40).
Ademais, circunscrevendo-se nos temas da reserva de jurisdição e poderes do
magistrado, as últimas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, têm admitido que o Juiz, no
curso do processo de prestação de contas ou em representação dele decorrente, por decisão
fundamentada, mediante provocação do órgão técnico, do impugnante ou do Ministério
público, ou, ainda, de ofício, determine a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato (v.g.
Recurso Especial Eleitoral nº 60507 e Recurso Especial Eleitoral nº 8313).
Consoante assaz dito, o processo de prestação de contas poderá ser a gênese de
outros expedientes eleitorais, entre os quais se destacam a representação por abuso de poder
econômico e a representação por captação e gasto ilícito em campanha eleitoral, visto que as
irregularidades normalmente se descortinam, por primeiro, no malsinado desfecho da
contabilidade eleitoral.
Art. 81. Desaprovadas as contas, a Justiça Eleitoral abrirá vista dos autos ao Ministério Público para
os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.
Outrossim, é possível que a prestação de contas revele indícios da prática de crime
eleitoral, tais como a falsidade ideológica eleitoral e o novel tipo penal descrito no art. 354-A
5
do Código Eleitoral, conforme se apercebe do seguinte preceptivo da Resolução TSE nº
23.607/19:
Art. 82. Se identificado indício de apropriação, pelo candidato, pelo
administrador financeiro da campanha ou por quem de fato exerça essa função
de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em
proveito próprio ou alheio, cópia dos autos deve ser encaminhada ao
Ministério Público para apuração da prática do crime capitulado no art. 354-
A do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965, art. 354-A).
Por derradeiro, mesmo após a diplomação dos eleitos, a sombra de eventuais
irregularidades cometidas pelo candidato/prestador poderá trazer-lhe problemas relacionados à
investigação judicial e apuração de violações às normas de arrecadação e gastos de recursos,
nos exatos termos do art. 30-A, da Lei nº 9.504/97:
Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça
Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e
indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar
condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e
gastos de recursos.
5 Considerações finais
À guisa de arremate, percebe-se que o processo de prestação de contas eleitorais
reveste-se de peculiaridades próprias, bastante distintas dos demais procedimentos puramente
judiciais.
Em razão disso, demanda estudos muito particularizados, suficientes à
demonstração da correta arrecadação e gastos em campanhas eleitorais, circunstância que se
revela de suprema importância ao candidato, que, eventualmente pode sagrar-se vencedor no
dificílimo campo político, mas impedido de assumir a vida pública em razão de erros na correta
interpretação e aplicação das normas de arrecadação e gastos eleitorais.

5
Art. 354-A. Apropriar-se o candidato, o administrador financeiro da campanha, ou quem de fato exerça essa
função, de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio: Pena
– reclusão, de dois a seis anos, e multa.
REFERÊNCIAS
BARREIROS NETO, Jaime. Direito eleitoral. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
CASTRO, Edson de Resende. Curso de direito eleitoral. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral.16. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

 

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