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terça-feira, 23/04/2024

A vedação expressa das audiências de instrução virtuais e o Princípio da legalidade

Geandre Bucair
Por Geandre Bucair Santos

 

Uma coisa é fato: a legislação processual civil não permite a realização de audiências de instrução processual por videoconferência.
Na seara do trabalho, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é silenciosa sobre o assunto. Nada dispõe a respeito de audiências por videoconferência.
Mesmo com as recentes alterações trazidas pela Lei n. 13.467/2017, comumente chamada de reforma trabalhista, a possibilidade de se realizar audiências por meios eletrônicos não foi apontada na reforma.
O Código de Processo Civil (CPC), por sua vez, estabelece de forma excepcional apenas dois momentos em que pode ser utilizada a ferramenta da videoconferência durante uma audiência de instrução e julgamento.
Ele (CPC) trata a matéria ao abordar sobre a faculdade da parte (artigo 385, § 3º) e das testemunhas (artigo 453, § 1º) serem ouvidas por videoconferência quando residirem em comarca, seção ou subseção distinta daquela onde tramita o processo.
Ainda, no CPC, temos o art. 937 § 4º que permite ao advogado a sustentação oral por meio de videoconferência, caso este não tenha domicílio profissional na mesma sede do Tribunal.
Em ambos os artigos, a possibilidade de realização de oitiva das partes ou testemunhas em audiência de instrução e julgamento ou sustentação oral, por videoconferência, está intimamente vinculada ao local do domicílio das pessoas que serão ouvidas.
Para que isso seja possível, o domicílio tem que ser diverso do local onde tramita o processo. Caso contrário, a audiência de instrução e julgamento precisa ser realizada presencialmente.
Não há, pois, previsão legal expressa que permite a realização de audiências de instrução e julgamento por videoconferência, com depoimentos de partes e testemunhas que residam na própria comarca, seção ou subseção onde tramite processo trabalhista ou civil.
As exceções, como acima mencionado, estão no artigo 385, § 3º e 453, § 1º do CPC.
As únicas audiências legal e expressamente autorizadas por videoconferência ou qualquer meio eletrônico foram as de conciliação ou mediação.  Essa previsão está no artigo  334, § 7º do CPC.
Chama atenção no referido artigo a palavra “meio eletrônico”.
Quando o legislador se refere a meio eletrônico, ele autoriza a realização de audiência de conciliação ou mediação por videoconferência, e-mail, aplicativos de trocas de mensagens, salas de bate-papo ou qualquer outro recurso tecnológico que permita a comunicação entre as partes e os envolvidos, nos termos da lei.
Porém, com a audiência de instrução e julgamento isso não é possível.
Importa lembrar, que o direito processual é ramo do direito público.
E, neste ponto, é necessária uma análise do princípio da legalidade sob duas diferentes óticas: o Direito Público e o Direito Privado.
Sem essa abordagem, corre-se o risco de sério equívoco diante do cenário apresentado.
No Direito Privado, o que não está proibido pela lei, está permitido. Vigora o princípio da autonomia de vontade entre as partes e é muito comum que elas convencionem em vários aspectos. O particular pode atuar sempre que não contrariar a lei. Se ela for omissa, significa que a conduta não está vedada.
No Direito Público, o que a lei não autoriza expressamente está implicitamente proibido.
Se o legislador não quis expressamente autorizar a atuação do Administrador naquele tema, significa que ele quis que ele não realizasse o ato daquela forma. Isso acontece porque o princípio da legalidade é balizador e autorizador de tudo no Direito Público. O Administrador simplesmente não pode agir se não existir previsão legal expressa.
Sendo assim, no Direito Processual tudo o que não está expressamente previsto, proibido está!
No caso, o legislador processual apenas previu expressamente a possibilidade de realização de audiência de conciliação ou mediação por meio eletrônico (art. 334, §7º do CPC) e a faculdade da parte (artigo 385, § 3º) e as testemunhas (artigo 453, § 1º) serem ouvidas por videoconferência quando residirem em comarca, seção ou subseção distinta daquela onde tramita o processo.
O legislador processual não permitiu a realização de audiências de instrução e julgamento por videoconferência.
Logo, o que não está previsto, dentro do Direito Público, está proibido!
Ademais, o CNJ, ao editar as resoluções n. 313, 314 e 318 de 2020 e os Tribunais Regionais e Estaduais as suas Portarias, permitindo a realização de audiências de instrução processual por videoconferência, acabaram por violar flagrantemente a disciplina do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.
 A hipótese de permissão de realização de audiência de instrução por videoconferência não se refere a procedimento, mas a processo.
Com isso, a matéria é de processo e, assim sendo, a União detém o monopólio, a exclusividade, para estabelecer a disciplina legal na matéria, tal como foi feito recentemente com a Lei dos Juizados Especiais que, mesmo nesse momento de pandemia, sofreu alteração para permitir apenas a realização audiência de conciliação por videoconferência (Lei n. 13.994 de 24 de abril de 2020).
Veja que, a mais informal das Justiças (Juizado Especial), permitiu, por meio de recente Lei Federal, apenas a realização de audiência de conciliação por meio de videoconferência, o que reforça a tese de que não é permitida a realização de audiência de instrução e julgamento por videoconferência, ante a ausência de previsão.
Em arremate, não se pode admitir que cada magistrado, em total afronta ao devido processo legal, defina os procedimentos que serão adotados nas audiências de instrução e julgamento em que conduzirão por videoconferência.
É imprescindível que existam, na lei processual, normas claras, diferentes das audiências presenciais, dispondo sobre os procedimentos a serem adotados por todos os participantes do processo, partes, testemunhas, advogados e pela própria magistratura durante uma audiência de instrução e julgamento por videoconferência, já que a lei não admitiu essa situação de maneira expressa.
Conhecendo previamente as regras procedimentais para a realização da audiência por meio virtual, as partes terão segurança para participarem de uma audiência de instrução e julgamento.
Caso contrário, haverá inúmeros regramentos, desrespeitando as competências formais constitucionais para tais diplomas, gerando tumultos processuais, insegurança jurídica e nulidades de atos praticados desta forma.
Diante do exposto:
a) as únicas audiências legal e expressamente permitidas por meio de videoconferência ou qualquer meio eletrônico (e-mail, aplicativos de trocas de mensagens, salas de bate papo) são as de conciliação ou mediação.
b) a legislação processual civil estabelece a obrigatoriedade da presença física das partes e testemunhas na audiência de instrução e julgamento.
c) permite-se, no entanto, facultativamente, ouvirem por videoconferência as partes e as testemunhas que residirem em comarca, seção ou subseção distinta daquela onde tramita o processo além, é claro, da viabilidade dos litigantes e testemunhas terem acesso à internet de qualidade.
d) qualquer modificação do regramento processual, por meio de resoluções e portarias, esbarra na disciplina constitucional brasileira (art. 22, I, da CF), padecendo os atos praticados de evidente nulidade.
e) enquanto não houver regramento expresso, a audiência de instrução não poderá ser realizada de maneira virtual já que não houve previsão legal até o presente momento.
f) a realização da instrução de qualquer modo não expressamente previsto em lei, mesmo diante da situação de pandemia, está sendo feita dentro de um contexto de proibição ao Administrador, ao arrepio da lei, gerando tumultos processuais, insegurança jurídica e nulidades de atos praticados desta forma.

Geandre Bucair Santos – Advogado. Professor. Sócio do escritório Stábile, Passare e De Simone. Doutor em Direito. Pós Graduado em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.
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